"Confundiu-me ver a serenidade de Lance Armstrong a responder com sucessivos “yes” às perguntas condenatórias de Oprah Winfrey. A batota assumida assim de forma tão brutal em frente a uma câmara de televisão, capaz de ampliar ainda mais o que de si já é esmagador – de forma tão pensada – uma vez interiorizada a desistência perante a mentira –, é demasiado perturbador e inquietante, maximizado, ainda, pela dimensão correspondente aos feitos desportivos do ciclista dos EUA.
“Dopei-me porque queria ganhar a todo o custo!” Esta é a frase que vai marcar todas as exclamações do rosto e os dramas daquele corpo. Paradoxalmente, Armstrong liberta pelos olhos aquelas palavras, que parece terem o condão de o libertar dos pecados terrenos e aspirar à expiação do impossível. Armstrong declara a culpa, não junto de um juiz (desportivo ou não), não junto de um técnico de uma “brigada antidoping”, mas perante todos aqueles que nele confiaram. Em frente à câmara de televisão e perante o juiz popular a quem entendeu prestar contas.
O que fica agora? As perguntas que ficam no ar. Seria Armstrong o melhor da sua geração e o recurso (organizado e meticuloso) ao doping a garantia de que superaria todos aqueles que também recorriam a métodos ilícitos? Será que o actual sistema de condenação do doping deve enfrentar a sua falência e ser repensado de alto a baixo, porventura “regulando” o acesso lícito aos “químicos”? Ou será que as instâncias desportivas devem munir-se de poderes mais amplos – e tipicamente “criminais” – para combater o flagelo?
Na mesma linha, surpreende a naturalidade com que um vice-presidente da Real Federação Espanhola de Futebol anuncia a suspeita de manipulação de resultados na Liga do país vizinho. “Compraram-se resultados. Existe uma verdade real e uma verdade jurídica. Na verdade real, sabemos e estamos conscientes de que existe fraude, falta agora conseguir prová-lo na verdade jurídica. Estamos a tentar desmascarar os batoteiros, que existem. Para mim, basta que exista um batoteiro para já ser um escândalo.” Os conceitos são sempre os mesmos mas estes impressionam pela crueza: “verdade real” e “verdade jurídica”. Ou seja, o que realmente acontece e o que formalmente se reconstitui e demonstra no catálogo das leis e dos procedimentos. A não ser que alguém deixe de atirar para o biombo das conspirações e dos bastidores a batota e assuma o que entra, muitas vezes, pelos olhos dentro, essa será a luta de um desporto limpo: mudar as leis e os regulamentos e ir até ao mais fundo da verdade.
Fazê-lo por causa das grandes “referências” é sintoma de que há algo a mudar. E, se mudar, não voltará para trás!"
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!