"A opinião, mesmo sustentada, tornou-se campo de guerra e não de debate. Só que a desinformação nasce também de quem devia informar e, como tal, o futebol vive cercado pelo ruído
Quem escreve ou emite opinião publicamente enquanto género jornalístico sabe (ou deveria saber) que esta só será considerada válida e inteligente por quem a ler ou ouvir se coincidir com a conjetura deste sobre o mesmo assunto. Poucos querem realmente saber o que os demais acham. Quase todos querem que lhes digam que têm razão. Confesso que isso raramente comigo acontece porque não gosto de consensos e, sobretudo, fujo de tudo o que me pareça demasiado redutor. Ao longo de 28 anos de profissão, as minhas ideias sempre estiveram expostas aos comentários das pessoas, bem como acessível esteve o meu endereço de email, não fosse perder um desafiante intercâmbio de ideias. Nunca houve, no entanto, grande expetativa e, sim, tem piorado com o tempo.
Raros foram os casos em que me chegou algo realmente interessante e útil, que pudesse abrir portas a uma relação mais profunda e ultrapassasse o habitual abrir, ler e apagar. Duvido que algum email tenha sido algo mais que básico, entre a maioria que era sobretudo ofensiva e que colocava em causa o habitual: a minha imparcialidade, idoneidade e até moralidade. Nunca foram muito criativos, brilhantes ou inteligentes, apesar de toda a minha vontade em encontrar algo para lá do vernáculo. Calculo que talvez já só existam nos itens enviados de quem se deu ao trabalho por tão pouco, mas nunca limpa a sua caixa de correio.
Não sei porquê, porém sempre achei que a culpa da desinformação é muito também de quem informa. A iliteracia futebolística não deve deixar impune quem fala e escreve sobre futebol. Reparem. Nós mudámos o léxico, criámos palavras e expressões novas, umas mais interessantes do que outras, é verdade, contudo os nossos leitores sabem o mesmo ou ainda menos do que os seus antepassados conseguiam elaborar. Mas deixem-me acreditar que nós conhecemos mais. Porque temos de conhecer. Porque lemos mais. Vemos mais. Interpretamos a toda a hora. Se calhar até o respiramos mais. O futebol. E, se não for assim, entre bolas descobertas, transições, contramovimentos, dinâmicas de terceiro homem, extremos e laterais invertidos e pressão e contrapressão, entregamos o nosso melhor para explicar o que vemos, com a sensibilidade e o jeito de cada um. Aí entra o inegociável: a nossa consciência. A consciência de que estamos a escrever ou a contar o mundo, neste caso um jogo de futebol, noutros uma história ou uma notícia importante, da forma como realmente o vemos.
Os adeptos, convenhamos. não podem saber mais do que sabem. Primeiro, não tomaram gosto suficiente ao desporto para fazer parte das suas vidas além do fim de semana. Gosto até para o praticar, o que levaria quase de certeza a que soubessem mais. Mas como poderiam com o que os governos pensam do desporto? Como poderiam, com o que se investe? Como poderiam quando os eleitores não valorizam a importância que, no meio de tudo o resto — a paz, o pão, habitação, saúde, educação, como canta Sérgio Godinho —, realmente tem. Como poderiam com o que estes pensam sobre o que é investido e sobre a falta de um planeamento desde a idade escolar?
A seguir, o acompanhar é, para tanta gente, um resultado transformado em arma de arremesso. Não é cultura desportiva ou uma outra de qualquer tipo. Nada se absorve do que realmente importa. Há boas exceções, mas as televisões pagam pequenas fortunas a criadores de ruído, com e sem passado, com e sem presente, quase todos sem grande futuro, para que expliquem o ruído dos outros. Outros não voltaram do passado e de lá atiram soluções que nem nessa altura funcionavam, como murros na mesa, dirigentes nos balneários, uma circulação mais rápida da bola, mais movimentações, porém, sobretudo, mais atitude e intensidade. Ou equações repetidas, como se todos não já soubéssemos que não há dois jogos iguais, que não é por ter dois avançados que se chega mais vezes à finalização ou que o jogo interior é tão importante como a largura. E, pasme-se, ainda há senadores, verdadeiros Marques Mendes do balonpié, tão cheios de si mesmos que há vários anos a cabeça ameaça rebentar. Sem contraditório, para contrariar o que nem tem ponto por onde se pegue, num exercício de vaidade em que nada bate certo, nem o autoassumido — porque mais ninguém o faz — conhecimento do jogo. E dali ainda vão para as redes sociais embirrar com as palavras e a vaidade dos outros. Como é possível que tenhamos bons telespectadores e, depois, bons adeptos? Ainda emotivos, no entanto, um pouco mais racionais. O ruído, aliás, não vem só da televisão: é já uma cultura.
O fenómeno desportivo está a ser consumido pelo entretenimento, que faz muito pouco pelos seus espectadores. Nada contra a leveza do humor e da frivolidade quando existe o resto, a análise feita com seriedade e racionalidade, que tenta explicar e instruir, mas tudo quando afinal ocupa o espaço deste e o substitui. Onde ganhamos depois nós as bases de um conhecimento que sustente bem a crítica e até a tomada de decisões?
Deveria ser preocupante quando os nossos filhos já não veem um jogo inteiro e outros não procuram mais sobre a modalidade que praticam durante vários dias da semana. É o mundo a girar mais depressa do que nós, sim, mas também consequência de não se conseguirem criar raízes de uma cultura desportiva para todos, ainda mais para os jovens atletas.
Por fim, acho que se passa o mesmo com todos os analistas. Somos confrontados com uma pergunta sobre uma equipa ou um jogador, mas quem acaba a dominar a conversa e realmente a responder é precisamente quem questionou. E nós a ouvir. A dizer que sim, a tentar entrar num comboio em andamento. Os comentadores não são a legitimação da opinião de café ou comum, e emitem algo que é o resultado da sua observação, experiência, sensibilidade e conhecimento. Deve estar sustentado e a crítica ser construtiva. A última das preocupações é agradar a alguém. Esperamos sim que, com o tempo, também quem nos lê possa crescer connosco."

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