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sábado, 11 de outubro de 2025

Benfica: cabeça fria em campo quente


"O último domingo foi dia de clássico FC Porto-Benfica. A expectativa era grande. Estes jogos carregam sempre um peso especial, mexem com nervos e paixões e têm a estranha capacidade de dividir semanas em duas: o antes e o depois. Confesso que pairava sobre mim um misto de sensações. Por um lado, a oportunidade de vencer no Dragão, encurtar distâncias no campeonato, elevar a confiança da equipa e acreditar que essa confiança faria esquecer o peso das pernas cansadas de um calendário implacável. Por outro, a sensação de que este não era o momento ideal. Um clássico pede frescura, pede energia, pede força mental e física. E desta vez sabíamos que era muito difícil que isso acontecesse.
Um jogo desta importância raramente chega na altura certa, mas desta vez o calendário parecia ter sido cruel. Não houve tempo para recuperar, não houve tempo para treinar, não houve sequer tempo para respirar. O Benfica tem vivido um ciclo frenético, jogo atrás de jogo, viagem atrás de viagem, uma sucessão de esforços que consome qualquer equipa. Este é o lado cruel de um futebol que se deixou capturar pelas exigências da televisão e pelos interesses de quem manda no negócio. O calendário já não é desenhado para os jogadores ou para as equipas, mas para satisfazer contratos milionários que compram horários, audiências e patrocínios. As grelhas televisivas passaram a ditar as regras.
É o paradoxo do futebol moderno: nunca houve tanto dinheiro e, ao mesmo tempo, nunca houve tanto risco de perder a essência. Nunca se falou tanto em cuidar dos atletas, mas nunca lhes tinha sido pedido tanto.
Mesmo não concordando com este modelo, as regras estão definidas. E cabe aos responsáveis geri-las da melhor forma, com inteligência e frieza. Foi isso que fez José Mourinho. Não é minha intenção aqui fazer uma análise tática detalhada sobre o jogo, essa já foi dissecada até à exaustão por outros, mas não posso deixar de sublinhar a forma como o treinador percebeu o estado da equipa. Mourinho, que conhece como poucos os labirintos do futebol, entendeu que o Benfica não tinha pernas para entrar no Dragão à procura de um jogo épico. Optou por outra coisa: pragmatismo. Um plano frio, calculado, que garantisse equilíbrio e que permitisse sair de um campo sempre hostil com a equipa viva.
E foi exatamente isso que aconteceu. O Benfica resistiu quando teve de resistir, soube sofrer quando foi inevitável sofrer. Não foi o jogo do brilho, foi o jogo da sobrevivência. E às vezes, antes de vencer, é preciso sobreviver.
O jogo não ficará para a história. Não teve golos épicos, não teve reviravoltas cinematográficas. Mas teve a marca de um treinador. A crítica fácil dirá que o Benfica podia ter arriscado mais, que podia ter ido à procura da glória. Mas quem acompanha o dia a dia percebe que este foi um daqueles momentos em que a prudência foi a maior das virtudes. O risco maior teria sido não reconhecer as limitações do momento. Mourinho mostrou experiência e frieza. A sua grande vitória não foi tática, foi estratégica: soube colocar a equipa a jogar de acordo com aquilo que ela podia dar e não com aquilo que nós, adeptos, sonhávamos ver.
E aqui entra outra dimensão do clássico: o coração. O coração do adepto pede sempre mais, pede sempre a vitória, pede sempre o golo que nos levanta da cadeira. Mas o coração, sozinho, não ganha campeonatos. É preciso também cabeça. E foi isso que Mourinho trouxe: cabeça fria, capacidade de encaixar o que o jogo oferecia, sem nunca perder de vista o essencial.
Um empate nunca terá o sabor de uma vitória. E no Benfica não se celebram empates. Não falo de celebrar. Falo de sobreviver. Sobreviver a este ciclo de jogos infernal. Foi um clássico diferente, menos épico, menos apaixonante, mas não menos importante.
E talvez seja aqui que se perceba melhor o que Mourinho acrescenta como poucos treinadores poderiam acrescentar ao Benfica. Com ele, o clube ganhou não apenas um treinador, mas um estratega. Alguém que entende que cada jogo tem o seu tempo, que nem sempre se pode jogar ao ataque, que às vezes é preciso esperar. Mourinho trouxe intensidade, mas também trouxe cálculo. Trouxe paixão, mas também trouxe racionalidade. E esse equilíbrio pode ser a chave para o que vem aí.
Porque o campeonato não se decide num jogo. Decide-se numa maratona. E nesta maratona, o Benfica mostrou no Dragão que sabe correr devagar quando é preciso, que sabe gerir forças, que sabe sobreviver. Às vezes, sobreviver é o primeiro passo para vencer.
Para finalizar esta crónica deixo umas palavras sobre a última Assembleia Geral do Benfica. As Assembleias Gerais do clube sempre foram palco de paixão. Mas uma paixão sem espírito democrático rapidamente se transforma em ruído, e o que aconteceu na última sessão é exemplo disso mesmo.
Uma Assembleia Geral não pode ser confundida com um comício eleitoral. A Assembleia é para discutir contas, regulamentos, estatutos, o presente e o futuro do Benfica. Misturar isso com a campanha eleitoral foi um erro que prejudica a imagem do clube e que só alimenta divisões.
Os candidatos a presidente, mais do que ninguém, devem dar o exemplo nestas alturas. São eles que aspiram a liderar o clube, e é deles que se espera uma postura de responsabilidade, de contenção e de respeito. Se a campanha é, por natureza, propícia a discursos inflamados e a ambientes mais quentes, então é precisamente aí que é preciso mostrar a frieza que distingue líderes."

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