"Quando nem os jogadores assistem a jogos alguma coisa está errada; reflexo de novos hábitos e aquilo que pode estar em causa numa liga como a portuguesa
A primeira vez que o ouvi foi da boca de Renato Paiva. Disse o treinador português que um dia tentou falar com os seus jogadores da formação do Benfica sobre um Real Madrid-Barcelona na véspera, mas que quase nenhum deles assistira ao encontro em direto, no máximo apanharam uns resumos, viram os golos e pouco mais. Um dos jogos mais mediáticos (senão o mais) do planeta, portanto.
Na semana passada foi Ruben Amorim abordar a questão, confidenciando aos jornalistas ingleses que os futebolistas que dirige no Manchester United veem pouco futebol e que assim torna-se mais difícil trocar ideias sobre exemplos de jogadas da equipa A ou B e transpô-las eventualmente para um modelo de treino ou de jogo.
Esta não será a exceção, mas a regra: as novas gerações não têm paciência para assistir a um jogo de futebol de uma forma linear. Quando se nem os próprios intervenientes, aqueles que fazem disso vida, dedicam pouco tempo ao fenómeno, o que dizer de todos os outros?
Isto levanta pelo menos duas questões: uma, do ponto de vista, do negócio; outra na forma como os treinadores são obrigados a adaptar-se do ponto de vista da gestão socioemocional.
Começando pela primeira: o próprio José Mourinho já o afirmou no passado, ainda nos tempos em que orientava o Tottenham - os jogadores de agora têm outros interesses, são frutos de outra cultura e não aceitam métodos ou discursos de um passado não muito distante. O atual treinador do Benfica tentou reinventar-se, seja pela presença nas redes sociais ou na tentativa de absorver o que pensam e sentem os jovens de agora, e desse conhecimento resulta o sucesso ou insucesso. Só o tempo o dirá, mas parece evidente que Mourinho encontra-se agora naquela fase da vida (e de treinador) em que tenta perceber o que mudou e movimenta-se em função dos novos ventos em vez de impor um modo de estar que resultou noutra era, com plantéis feitos de outra massa e inseridos num caldo cultural comum a jogadores e líder técnico. Antes era uma espécie de irmão mais velho, agora assume uma figura paternal.
Mas se para os treinadores este desafio geracional pode representar um estímulo, o mesmo não se aplica aos modelos de negócio. Não acredito que o futebol como produto de consumo possa vir a valer mais no futuro se os futuros consumidores não forem ávidos espectadores de jogos.
Não sabemos se vai demorar 5, 10 ou 20 anos, mas começa a haver uma preocupação generalizada em clubes e operadores sobre uma bolha que possa estar a rebentar relativamente ao valor dos direitos televisivos. A questão não é nova, mas em Portugal ganha outra vez relevância a partir do momento em que ainda há uma centralização para negociar. Saber o que vale realmente o campeonato nacional num mercado em baixa é crucial (basta ver a queda em França ou o regresso dos jogos da liga espanhola em sinal aberto na Ásia para recuperar o interesse) e nem o mais otimista acredita que o produto vale hoje mais do que valia há cinco ou dez anos. Não só pelas deficiências estruturais da prova (estádios vazios, quadros competitivos desadequados e demasiada desigualdade) mas também pelo perfil de milhões de consumidores do futuro, que poderão encarar aquelas partidas como papel de parede: está lá, mas é algo que não se sente."

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