"A expetativa desmesurada é a pior das companhias. Não anda de mão dada com ninguém, carrega a solidão e a certeza do desatino.
Sabe que vai falhar e, mesmo assim, segue em frente. Por inconsciência ou, simplesmente, por não haver nenhum caminho melhor.
Vejo muito disto na chegada de José Mourinho ao Benfica. Riscado o macambúzio Bruno Lage da equação – era tão previsível, não era? -, o que podia e devia ter feito Rui Costa, sabendo que o Special One estava livre para amar?
A tentação era demasiado explícita. Mesmo que o falhanço, desportivo e eleitoral, lhe seja um sinal de sentido proibido.
O Benfica e o futebol português ganham uma personagem bigger than life, o melhor treinador português de sempre, mas será isso necessariamente uma boa notícia para as águias?
A alegria do impacto imediato está garantida. Nas conversas de balneário, na sala de imprensa, Mourinho continua a ser o melhor do planeta e a atrair o mediatismo de sempre. Muito justificadamente, de resto.
Basta ver o show de oralidade semiótica dado na antevisão ao Benfica-Rio Ave.
O problema é outro.
Inconscientemente, o mundo benfiquista julgará que os problemas, as limitações e os erros dos últimos anos desparecerão por artes mágicas, como se Mourinho tivesse o privilégio da alquimia e da terraplanagem.
O futebol moderno não se compadece com a memória e o palmarés, por mais ricos que eles sejam.
Será que as ideias atuais de Mourinho, o seu ideário de jogo, são compatíveis com tamanha exposição cinematográfica, como se nada mais houvesse em Portugal além do Benfica do Special One?
Se colocarmos em cima da mesa os trabalhos feitos no Tottenham, na Roma e no Fenerbahçe, a resposta só pode ser não.
Por motivos distintos, Mourinho escolheu o pragmatismo, a organização e depois a transição, a paciência sem bola, ao invés da máquina de amassar criada nas passagens por FC Porto, Chelsea e, em determinados momentos, Real Madrid – no Inter já foi mais cínico do que autoritário.
Esta aparente queda do treinador foi tema no podcast Ataque Rápido, ainda antes de alguém sonhar em vê-lo no Benfica.
Mourinho, insisto, colocou o mundo do futebol a olhar para o seu Benfica. Só lamento que o jogo de estreia tenha sido realizado num dos piores estádios da I Liga e com uma transmissão televisiva que parecia saída de um escalão secundário de El Salvador. Uma pena.
Ora, com o holofote a apontar para a Luz e a sinalizar a imagem de Mourinho, num misto de gigantismo e soberba, o FC Porto aproveita para ganhar na sombra e acumular posters e frases feitas na parede do balneário.
Diria, aliás, que a chegada deste José Mourinho à Luz é uma excelente notícia para o FC Porto.
Por três motivos.
Primeiro, pela natureza do clube: os dragões dão-se bem a afrontar probabilidades que lhes são contrárias, a erguerem-se contra as primeiras páginas vermelhas e brancas, a gerirem o entusiasmo do mundo benfiquista.
Segundo, pela ligação ao próprio treinador: é provável que tudo não tenha passado de uma coincidência, mas a visita de José Mourinho ao Dragão – com direito a justa aclamação coletiva –, cinco dias antes de ser oficializado na Luz, foi encarada por muitos portistas como encenação e provocação.
Terceiro, pelo FC Porto-Benfica a 5 de outubro: se juntarmos os dois pontos anteriores e os atirarmos para este clássico que se avizinha, o cenário não poderia ser mais tentador para o mundo portista.
Deixo o Sporting fora disto, por não haver ligação direta entre os leões e Mourinho, e por só haver dérbi lisboeta em dezembro.
O futebol é uma casa de sentimentos. Mais do que estratégias, ciência ou misticismo, a ligação emocional continua a desempenhar um papel fulcral. E é esse sentimento, esse coração a bater doido e vivo, que nos faz amar o jogo.
Por tudo isso, fico extremamente feliz com o regresso de José Mourinho ao futebol português, 25 anos depois. Mas não creio que isso seja propriamente extraordinário para a ambição desportiva do Sport Lisboa e Benfica.
PS: de 2002 a 2004, ainda um puto recém-saído da universidade, segui com fascínio e prazer José Mourinho por essa Europa fora. O saudoso Comércio do Porto permitiu-me conhecer e privar com o então também jovem treinador, um evidente prodígio na manipulação de mentes e mensagens. Um génio. Reencontrei-o em 2023, numa sala discreta do Pavilhão Rosa Mota, por culpa do inigualável Paulo Futre. O homem pegou em mim e no Rui Miguel Tovar, depois da gravação de um DESTINO: SAUDADE, e levou-nos a «comer qualquer coisa com dois amigos». Chegados ao repasto, lá estavam Jorge Mendes e José Mourinho. O resto fica para nós."

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