"João Félix nunca foi um jogador fácil.
Não é um extremo puro, nem um avançado típico. Também não é um número 10 clássico. É como um poema de Vinicius de Moraes: só na voz de Tom Jobim é que ganha sentido.
João Félix também só tem uma forma de valer a pena: quando é mais bailarino do que jogador, quando é mais música do que futebol. Precisa daquele desinteresse quase artístico pelas regras da ortodoxia tática. Infelizmente para ele, no futebol moderno isso é quase uma heresia.
Por isso puseram-no a correr pelas alas, a jogar de costas, a pressionar centrais adversários. Depois espantavam-se por não resultar.
Diziam que não sofria, que não se esforçava, que não ouvia.
Diziam até que não corria. Pois não. Claro que não. Porque não era para correr.
Era para criar.
João Félix, repito, não é um jogador fácil. Desmotiva-se facilmente. Amua. Falha. É preciso ter paciência, mas a paciência para jogadores como ele é cada vez mais rara. Só nos, os românticos, os ingénuos que ainda acreditam que há beleza em abrir as pernas e deixar a bola correr, é que a temos.
O português não a encontrou em Madrid, nem em Londres. Não a encontrou em Barcelona e não a encontrou em Milão. De cada vez que ele tropeçava num treinador que não o entendia, ou achava que não valia a pena entender, nós tropeçávamos na nossa própria esperança de o ver regressar.
Até agora. Até que apareceu Jorge Jesus. O homem, o sábio, o alquimista.
Olhou para Félix e viu ouro onde os outros só viam chumbo. A partir daí percebeu que o jogador, como os vinhos bons (e os pianos de cauda), precisava de tempo e de um palco. E deu-lho. No meio do deserto, rodeado de tâmaras, de calor e de pó, devolveu-o ao espaço certo: atrás do ponta-de-lança, com responsabilidades morais, mas não táticas.
Hoje Félix já não é apenas titular: é protagonista e é feliz. Voltou a ser ele, voltou a estar em campo. Completo, inteiro, saudável.
Voltou a jogar com a leveza dos predestinados, com aquela beleza preguiçosa dos génios. Um passe, um drible, um exagero. Há toques que parecem versos a dançar.
A bola, essa, voltou a sorrir e a confiar: João Félix é ele outra vez. Ao lado de Cristiano Ronaldo, que é tudo o que ele não é: constante, obsessivo, previsível no melhor sentido da palavra. Se Félix é um saxofone que improvisa, Ronaldo é uma bateria que enche a música.
Dizem que foi preciso emigrar para Arábia Saudita para o fazer. Sim, talvez tenha sido.
Provavelmente, aliás, já não vai conseguir ser tudo o que prometeu. Se calhar nem vai a tempo de ser protagonista em palcos como Camp Nou ou Stamford Bridge. E depois? No caso de certos jogadores, não é onde se joga que importa. É como. E João Félix joga como quem abre a porta da infância.
Voltou a ser menino e a sonhar. Que é uma coisa que o futebol moderno não compreende."

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