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quarta-feira, 28 de maio de 2025

O caminho das pedras ou a Cheguização do Benfica


"São dias tristes para o Benfica e para os benfiquistas, aqueles que vivemos hoje. Tristes porque acreditávamos, porque tínhamos razões para acreditar, e porque chegámos aos últimos minutos dos momentos das decisões a poder ganhar tudo. E tudo perdemos. Pior. Isto, um ano depois de termos vivido uma época sofrível, com um segundo lugar sofrível, uma derrota por 5-0 no Dragão contra um dos piores planteis de sempre do FC Porto, e uma eliminação da Liga Europa em Marselha que nos ficou a todos atravessada na garganta. Este ano tínhamos de emendar a mão, mudar o rumo, e morremos na praia.
Sopram ventos de mudança no País, com a mesma força que sopram ventos de mudança no Benfica. Mas a História, do Benfica e do Mundo, já nos ensinou que a mudança, mesmo que mascarada de progresso, de amanhãs melhores, tantas e tantas vezes só nos leva ainda mais para baixo, para o fundo, para o pântano. Foi assim com o príncipe Vale e Azevedo, que teria um Benfica com a espinha dorsal da seleção nacional, e acabou a gerir a equipa de futebol 7 de Vale Judeus. Foi assim com Luís Filipe Vieira, que iria acabar com a hegemonia do FC Porto e nos primeiros 10 anos em que liderou o Benfica ganhou 2 títulos e deu 8 a ganhar a Pinto da Costa.
O progresso consistente faz-se por caminhos sinuosos, faz-se de avanços e recuos, de tentativas e erros, faz-se encontrando fórmulas de ultrapassar obstáculos, e reinventando essas fórmulas, que se vão gastando com o tempo. Nunca uma sociedade ou um clube evoluiu de forma permanente e consistente sem vitórias e derrotas, erros grosseiros e conquistas impossíveis. É assim, na dificuldade, na luta, que se ganha garra, espírito de luta e se constroem místicas e memórias únicas. Ninguém esquece os 2-0 em Liverpool e aqueles golos do Simão e do Miccoli, mas poucos recordam a época fraquíssima do Ronald Koeman nesse ano. Ninguém esquece o 6-3 em Alvalade e esse título histórico em 1993, mas poucos recordam que se seguiram 10 anos de deserto, do pior futebol da história do Benfica.
No futebol, a memória longínqua e seletiva é imensa, a memória prolongada, conjuntural, apaga-se rapidamente. Isto porque o futebol se pensa com o coração, e quando se pensa com o coração muitas e muitas vezes decide-se mal.
E é sempre nestas conjunturas que chegam os príncipes salvadores, os donos da verdades, os presidentes, treinadores e jogadores de bancada, os que se acham mais benfiquistas do que os outros benfiquistas, os únicos que sabem a fórmula certa para gerir clubes, conhecem os treinadores que irão ganhar todos os títulos e sabem, eles próprios, fazer sempre as substituições certas que os que estão sentados no banco e foram contratados para isso erraram.
Estes príncipes salvadores vêm muitas vezes em forma de adepto, os que berram e ameaçam nas redes sociais, mas também de comentadores profissionais do Instagram, e até de candidatos a presidente. Todos eles são mais benfiquistas, mais competentes, mais sabedores, mais entendidos de tática, mercado e gestão desportiva.
Vivemos tempos difíceis, em que as fórmulas simples servem para 1,3 milhões de pessoas que votam num partido que acha que basta gritar “abaixo os ciganos”, “rua com os imigrantes”, “pena de morte para os bandidos” e “vamos correr com os corruptos” é suficiente para resolver os problemas da Habitação, da Saúde e da Educação. Vivemos tempos difíceis em que as fórmulas simples irão corroer o discurso construtivo, o debate sério, as propostas para um futuro melhor do Benfica.
É nos tempos difíceis que os competentes, os capazes, os inteligentes têm a obrigação de parar, pensar com a cabeça, e lutar contra as fórmulas simples e milagrosas. E eu sou dos que acreditam que no Benfica ainda há e haverá quem queira pensar com a cabeça.
Infelizmente, é também nos tempos difíceis que é mais difícil aos moderados exercerem, democraticamente, o seu direito à opinião. Porque essa opinião, se não soprar na direção do vento dos populistas, é uma opinião “vendida”, que esconde uma subserviência a poderes obscuros. O foco deixa de ser a mensagem e passa a ser o mensageiro, que é então “um cartilheiro”, “um traidor”, um ser menor que não merece viver, que não merece falar, que tem de ser insultado, ameaçado, calado.
A Cheguização chegou ao futebol antes de o Chega chegar à política. Mas a Cheguização irá continuar no futebol muito depois de o Chega cair na política. O problema é mais grave: é que a Cheguização normalizou-se nas urnas, quando antigamente estava só normalizada na discussão de café. Foi a Cheguização que gerou um Bruno de Carvalho no Sporting e um ataque à academia de Alcochete. A pergunta é: o que é que a Cheguização vai trazer ao Benfica.
A gestão destes quase 4 anos de Rui Costa à frente do Benfica está cheia de erros, imperfeições, falhanços, desilusões. Verdade. Mas nenhum projeto consistente e duradouro no futebol se constrói em 1 ou 2 anos, a menos que haja algum príncipe árabe a despejar milhões de petro-dólares para cima do clube. E nem assim. Veja-se o Chelsea. Nenhuma reforma estrutural se faz em 2 ou 3 anos, sobretudo quando é preciso cortar com um passado e testar novas soluções, que podem resultar ou não. A direção do Manchester United, provavelmente, precisará de 4 ou 5 anos para ver o projeto Amorim chegar onde todos os adeptos do United esperam que chegue. Até lá, haverá erros, tentativas falhadas, tiros ao lado, desilusões, contestação. Mas haverá também, em quem manda, uma crença e uma confiança num projeto.
Como benfiquista, sócio, adepto, não entendo a política e a gestão das modalidades amadoras, não entendo tantos erros de comunicação, não entendo as contratações por empréstimo de jogadores eternamente lesionados, não entendo dezenas de micro-problemas do futebol. Não entendo o que estão a fazer ao Prestiani, não entendo porque é que o Bruma entrou na equipa a todo o gás e desapareceu da noite para o dia, não entendo porque é que o Schelderup explodiu na Taça da Liga e sabe-se lá porquê passou novamente para o banco, não entendo a gestão do Di Maria, não entendo o estão a fazer ao Artur Cabral, não entendo a falta de garra no jogo decisivo com o Sporting para o campeonato, não entendo as substituições na final da Taça. Não entendo tantas e tantas coisas da espuma dos dias do clube.
Mas consigo entender que em três anos e meio o Benfica fez contratações cirúrgicas de grande nível (Enzo, Aursnes, Kokçü, Trubin, Pavlidis, Carreras, Schelderup, Neres, Marcos Leonardo, Akturkoglü, e até Bah, Prestiani ou Bruma), e enfiou muito menos barretes do que era costume (Jurasék, Artur Cabral, João Victor e Tengsted serão as exceções). Fez vendas de jogadores importantes, mas por valores acima do que o mercado estava a pagar (João Neves, Gonçalo Ramos, Enzo, Neres) e alguns até sobrevalorizados (Darwin, Marcos Leonardo, Morato, Paulo Bernardo). E sobretudo, despachou muitos erros do passado e encaixou um bom dinheiro com isso (Cebolinha, Waldschmidt, Weigl, Vlachodimos, Yaremchuk, Vinicius, Pedro Pereira, Pedrinho, Caio Lucas, Alfa Semedo, Ferro, Tomás Tavares, Gilberto). No meio de uma gestão de ativos que acho muito acima do normal, e da média, há um ou outro caso de jogadores que talvez pudessem ter sido rentabilizados de melhor forma, como o Gedson, o Nuno Tavares ou o Jota).
Não estaria tudo bem se o Benfica tivesse ganho este campeonato e esta taça, conseguindo um triplete, que não chegou por incompetência dos jogadores e do treinador em momentos-chave, bolas aos postes, competência e eficácia do Sporting, erros de planeamento de época e erros de arbitragem. Não está tudo mal no Benfica por se terem perdido dois títulos numa questão de minutos.
No futebol, pensa-se o momento, vive-se o momento e exige-se, no momento, o mundo. Mas o resultado no futebol, o golo, a vitória da semana, é como o açúcar no sangue, dá-nos um pico de energia, mas pouco depois estamos cheios de fome. E o Benfica não precisa de um quadradinho de chocolate para satisfazer o corpo, precisa de uma refeição equilibrada, bem nutrida, que nos mantenha vivos, com saúde, durante muitos anos. E isso não se consegue com gritaria, ameaças, insultos e populismos. Não se consegue no Benfica, como não se consegue no País."

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