"Centralizar é justo. Centralizar sem que o produto melhore, é tonto. Pensar que a internacionalização é possível com o que temos para oferecer, é viver numa realidade virtual. Os clubes dirão se o futebol português tem um grande futuro atrás de si...
No dia 25 de fevereiro de 2021, o Governo de António Costa decidiu que a venda dos direitos televisivos dos jogos dos clubes do futebol profissional tinha de ser feita de forma centralizada, e deu um prazo, até 30 de junho de 2026, para ser apresentado (responsabilidade da FPF e da Liga) um modelo, aprovado pela Autoridade da Concorrência, que deverá entrar em vigor a partir da época de 2028. Se tal não suceder no prazo previsto, será o Governo, (presumivelmente de Luís Montenegro), a decidir sobre o novo formato de distribuição do dinheiro televisivo no futebol profissional.
Esta intervenção musculada do executivo socialista terá sido uma forma enviesada, e provavelmente destinada ao fracasso, de tentativa de correção de uma distorção gritante na distribuição do dinheiro: em Portugal a diferença entre quem recebe mais e quem recebe menos na I Liga é de 15 vezes, enquanto que em Espanha e Itália é de 3, na Alemanha de 2,5 e em Inglaterra de 1,3.
OS 300 MILHÕES
Em nome de uma maior competitividade (apesar de, ao contrário do que sucede nos outros países, entre nós haver três clubes que absorvem mais de 90 por cento do mercado), o princípio da centralização é justo e adequado, mas será estultícia sonhar que terá condições (sociais, políticas e económicas) de ser atingindo através de uma imposição legal que estabeleça a divisão do vil metal.
Mas este processo, depois de ter nascido torto por intervenção governamental, partiu do pressuposto, que nunca foi cabalmente provado que, qual pedra filosofal, a centralização transformaria 185 milhões de euros (valor atual) em 300 milhões (valor previsto para 2028). Ora o que tem sucedido, um pouco por toda a parte, é uma estagnação, e em alguns casos recuo, das verbas disponíveis para pagar os direitos televisivos dos jogos. Como honrar, então a promessa feita pelo Governo e pela Liga, de que nenhum clube, após a centralização, receberia um euro que fosse a menos, relativamente ao que tem no modelo atual? Esta é uma verdadeira quadratura do círculo, uma bota que o governo terá de descalçar a partir de 30 de junho de 2026 (se não houver acordo entre os clubes, e tudo aponta nesse sentido), podendo sempre refugiar-se no argumento da alteração de condições, que justificaria um novo desenho legal.
Mas como se chegou ao número mágico dos 300 milhões, que daria, à imagem do que sucedeu em Espanha, para que os que recebem mais passassem a receber um pouquinho mais, e os restante vissem entrar nos cofres muito mais? Francamente, nunca houve uma explicação convincente, agravando-se exponencialmente a situação com a recessão no mercado televisivo. Parece hoje claro, para a Liga e para os operadores, que numa visão benévola seria possível chegar aos 200 milhões, e numa perspetiva mais conservadora não seriam sequer atingidos os 185 milhões. O que fazer, então?
Um dos argumentos usados para justificar a verba de 300 milhões foi a putativa venda dos jogos da I Liga para os mercados internacionais, algo que não se perspetiva que venha a acontecer, tanto mais que aquilo que se viu foi o abandono, por alguns operadores, da I Liga. Pode pensar-se que estamos perante uma questão menor, mas não é disso que se trata: ou, de facto, são criadas condições para aumentar receitas, ou entraremos numa crise profunda, da qual o governo (este ou qualquer outro) fugirá como o Diabo da Cruz.
INTERNACIONALIZAÇÃO
Falemos então da internacionalização. Porque é que a I Liga suscita tão escasso interesse? A resposta não podia ser mais fácil de dar: poucos são os jogos competitivos, capazes de ombrear com outras Ligas, nomeadamente as dos Big Five, mais a da Bélgica e a dos Países Baixos, a que acresce o Brasileirão, a Major League Soccer e o Campeonato da Arábia Saudita, umas porque fornecem melhores espetáculos, outras porque permitem ver em ações nomes míticos do futebol mundial.
O que fazer, então? Ao contrário do que tem sido feito até hoje, é tempo dos clubes deixarem de ser avestruzes e tirarem a cabeça da areia, encarando a realidade e encontrando soluções em conformidade com a mesma. Poder-se-á dizer, com propriedade, que a Liga é a principal culpada do que está a acontecer, por cobardia, ao não tomar as medidas impopulares e difíceis que se impõem. Mas quem é a Liga? A Liga são os Clubes, apesar da tendência constante para confundir o Presidente desse organismo, que executa as deliberações dos seus membros, com quem detém o poder da mudança. Pouco importa se Reinaldo Teixeira, ou, antes, Pedro Proença, pensavam desta ou daquela maneira, preferiam ir por este ou por aquele caminho. No fim do dia, exercido o seu magistério de influência, tinham (e têm) de seguir os ditames dos clubes. E estes não têm querido, uns por egoísmo, outros por calculismo e outros ainda por falta de visão estratégica para a indústria do futebol, criar condições para que o nível competitivo aumente e os nossos jogos passem a ter um valor diferente no mercado internacional.
QUADROS COMPETITIVOS
Não é possível tapar por mais tempo o sol com a peneira, uma I Liga com 18 clubes é uma irracionalidade desportiva e económica, face ao País que somos. Enquanto não houver, entre os clubes da Liga, a coragem de alterar os quadros competitivos (algo que a FPF fez, com tremendo sucesso, nas competições não profissionais, que passaram a ser mais interessantes e subiram de nível futebolístico - e estou a falar sobretudo do Campeonato de Portugal e de forma ainda mais acentuada da Liga 3), não haverá centralização que lhes valha porque o produto que têm para vender não é, simplesmente, televisivamente apelativo. Ninguém paga para ver jogos medíocres com os estádios às moscas, e é isso que sucede, tirando da equação os três grandes, o SC Braga e o Vitória Sport Clube, de Guimarães.
Será, então, que estamos perante um problema insolúvel? Só se os clubes assim decidirem. Se a I Liga tiver 12 clubes, que joguem entre si, casa e fora, numa primeira fase (22 jogos) e terminem a competição numa fase final, a disputar por dois grupos, o dos seis primeiros, a jogar para o título e para a Europa, e o dos últimos seis, a lutar pela permanência (10 jogos, o que daria um total de 32, menos dois do que atualmente, o ajudaria a que o calendário não estivesse tão sobrecarregado), o caminho do sucesso estará encontrado. E se a este modelo juntarmos uma II Liga dividida em duas zonas de 12 clubes a funcionar com um modelo idêntico, teremos 36 clubes a disputar competições profissionais de futebol em Portugal.
Como se vê, só vale a pena centralizar se houver, através da alteração dos quadros competitivos, um aumento real do valor do produto que é posto à venda. São duas realidades indissociáveis, que têm de ser decididas com urgência. Os clubes fariam bem se, em vez de se dispersarem em acusações estéreis com cheiro a mofo, metessem mãos ao trabalho e tratassem de salvar a indústria a que pertencem. É minha opinião que se tivessem começado ontem, nesta senda, já iriam muito atrasados. Assim, haverá que pensar que mais vale tarde do que nunca. Se a opção for pelo ‘nunca’, o futebol profissional português terá um grande futuro atrás de si."

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