Últimas indefectivações

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Sábado é o dia B


"«Quero o Manto Sagrado a entrar com vocês, e assustá-los!»
Lembro-me muitas vezes destas palavras gritadas a plenos pulmões por Vítor Paneira num evento que juntou algumas centenas de sócios do Benfica na noite de 27 de outubro de 2020. O contexto era outro e não é para aqui chamado, mas o que fica desses 4 minutos e 26 segundos disponíveis no YouTube é uma magnífica síntese daquilo que acontece quando um jogador do Benfica sente como nós, de como é possível ter dentro de campo homens que compreendem a missão.
Ainda não encontraram nem vão encontrar melhor palavra para descrever esta manifestação de espírito e de vontade. Mística. Jogadores como Paneira e muitos outros ao longo da história do Benfica souberam garantir o seu lugar na história. Fizeram-no com os olhos na bola e o coração na bancada. Concretizaram o desejo de quem os observava: na atitude, na ambição, nos comportamentos e no estilo. Vulgares mortais como eu poderão não escolher as mesmas palavras para a descrever, mas todos a reconhecemos quando acontece diante de nós.
A verdadeira mística do Benfica resulta de uma simbiose irreplicável entre jogadores e adeptos, que tanto pode ser forjada numa daquelas circunstâncias em que o destino nos parece fintar, como em longos períodos de hegemonia que pautaram a história do clube. Em segundos, ou ao longo de anos, os intérpretes da mística, no campo e fora deste, determinaram a identidade do maior clube de Portugal e um dos maiores do mundo. O mundo foi mudando, mas o respeito pelo Benfica permaneceu. A poucos dias de um dos jogos mais importantes dos últimos anos, o desejo de ver a mística cá fora e lá dentro representa também uma exigência. É tempo de ambicionar mais do que têm sido estes últimos anos. O Benfica não pode ver-se arredado mais uma vez da Liga.
A mística pode e deve acontecer em qualquer jogo e em qualquer estádio, mas há momentos que todos vivemos na ânsia de os podermos mais tarde recordar. O próximo sábado na Luz será um desses dias. Não quero ser demasiado romântico em relação ao tema e acho que falo pela esmagadora maioria dos benfiquistas se afirmar que preferia ter sido declarado campeão em março com mais de 20 pontos de avanço, a passear o melhor futebol por todos os relvados.
Sei que ninguém celebraria menos por isso. Acontece que este não foi um desses anos e, aqui chegados, não consigo imaginar melhor momento de definição. Colocando de parte a ansiedade, munidos de uma vontade visceral de vencer, espero ainda assim que os jogadores e a equipa técnica encarem este momento com a alegria e o entusiasmo próprios de quem sabe exatamente aquilo que está em jogo.
No sábado, uma equipa que já demonstrou provas inequívocas da sua qualidade, uma equipa recheada de gente experiente e habituada à dureza adversária e à vontade que rema contra si, será confrontada com a oportunidade de entrar na história de um dos maiores clubes do mundo, e o mais bonito de todos.
Ao longo dos próximos dias, será natural que muita da antecipação tenha como principal objetivo promover aquele que será o evento mais visto do ano em Portugal.
Nem sempre faço caso disso, mas desta vez cumpre alertar para as distrações. Serão feitas análises exaustivas a tudo o que se passou até agora, dos pontos conquistados aos pénaltis mal assinalados. Falarão de verdade desportiva como se esta fosse absoluta. Serão recuperadas conferências de imprensa em que não sei quem disse não sei o quê, na esperança de mais um nabo sacado da púcara. Serão feitos levantamentos estatísticos destinados a toldar ou a aguçar o otimismo, consoante a cor do clube. Serão partilhadas muitas — demasiadas — informações sobre tudo o que se está a passar e tanta ou mais desinformação sobre aquilo que não se está a passar. Haverá um rodízio de especulação sobre tudo o que não interessa agora, designadamente aquilo que vem depois.
Perante o espectáculo inevitável mas também compreensível, já fiz uma promessa a mim mesmo, que até lá terei de trabalhar, levar miúdos à escola, alimentar-me, dormir um bocadinho, e fazer um sem número de coisas que me parecem estorvos ao único desígnio aceitável. Farei um hiato de alguns dias. Conto regressar na tarde de sábado, assim que for anunciado o onze inicial, indiferente ao ruído, com a convicção que já tinha: a equipa do Benfica, os adeptos e os deuses reunirão todas as condições para dar aos benfiquistas, custe o que custar, a alegria pela qual anseiam.
Espero que esta vontade se manifeste desde o primeiro segundo em que tudo conta, como explicado ao longo dos anos por inúmeros adversários do Benfica quando falam do som ensurdecedor que os impressiona ainda no túnel, o mesmo som que, cá fora, os impede de comunicar com os colegas no relvado. Deve ser este o mote.
Tudo o que o adversário entende que sabe fazer, dentro ou fora de campo, deve ser tornado extraordinariamente difícil por cada um de nós. Terão que passar 90 minutos mais a compensação no local mais adverso do planeta. Não pode haver bola que não seja disputada por 60 mil. Os jogadores sabem com o que podem contar. Quanto a nós, adeptos, só podemos esperar uma coisa: uma equipa feliz por estar cara a cara com a história, decidida em viver aquele momento da melhor — com talento, abnegação e uma vontade obsessiva de vencer.
Sábado é o dia B. Como diz o Paneira, é dia de os assustar do primeiro ao último minuto. Basta que sejamos, mais uma vez, o Sport Lisboa e Benfica."

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