"Partiu consolado com o facto de ter sido homenageado (em vida) pelo clube, com a atribuição do seu nome ao Estádio Aurélio Pereira, na Academia de Alcochete
Morreu o meu amigo Aurélio Pereira. Que tristeza. Figura marcante na história do futebol juvenil do Sporting e de Portugal, o saudoso Aurélio ficou famoso como o maior caça-talentos do futebol português, que deu ao mundo alguns dos seus mais destacados intérpretes, como os Bola de Ouro Luís Figo e Cristiano Ronaldo. Mas também os internacionais: Paulo Futre (Bola de Prata), Ricardo Quaresma, Nani, Hugo Viana, João Mário, Rui Patrício, William Carvalho, Adrien Silva, Boa Morte, Abel Xavier, Cédric Soares, Simão Sabrosa, Dani, Nuno Valente, João Moutinho, José Fonte, Litos, Mário Jorge, Fernando Mendes, Rui Águas, Beto, Porfírio, Jorge Cadete, Carlos Xavier, Emílio Peixe… e muitos, muitos outros. São duas ou três gerações de excelentes futebolistas descobertos por este homem. Pioneiro, com a sua ideia visionária de criar (nos anos oitenta) uma rede de observadores por todo o país, levou a que o Sporting estivesse sempre em campo, com um olheiro em cada esquina, na mira de recrutar os melhores talentos… em todo o lado. Em muitos casos, os olheiros eram mesmo os bombeiros ou agentes da GNR, que faziam serviço nos campos. E o informavam sobre os habilidosos lá da terra. Com o departamento de recrutamento a funcionar de forma exemplar, o Aurélio foi um romântico do futebol do amor à camisola, bem diferente do futebol-negócio da atualidade. O seu lado humano e a forma como tratava e apoiava os miúdos e adolescentes, com tanto carinho e atenção, muitos diziam que era um segundo pai para eles... E os progenitores ficavam descansados e confiantes de que os filhos estavam bem entregues. E mesmo após deixarem o Sporting, o Aurélio era um conselheiro para todos, continuando, pela vida fora, a ligar-lhes para saber deles, para os animar, para cultivar amizade.
Os 'Aurélios' no Euro-2016
Com paixão pelo Sporting, Aurélio Pereira sentiu-se magoado quando, no tempo do presidente Jorge Gonçalves (1988), o brasileiro José Bonetti (diretor do futebol) o afastou das suas funções no clube. Felizmente foi uma situação efémera e, já com Sousa Cintra, voltou definitivamente para se glorificar, agraciado pelos vários prémios e distinções que recebeu, sobretudo por causa dos Aurélios, nome pelo qual ficaram conhecidos os dez leões campeões da Europa-2016, formados na Academia do Sporting. Curiosamente, todos utilizados na final, com a França (1-0). Ou seja, dos catorze que jogaram nesse desafio, dez eram da escola do Sporting… descobertos pelo Aurélio. Aliás, dizem os registos que há 62 internacionais AA que passaram pelas mãos (escolhas) do Aurélio. Que partiu consolado com o facto de ter sido homenageado (em vida) pelo clube, com a atribuição do seu nome ao Estádio Aurélio Pereira, na Academia de Alcochete. Que orgulho, rapaz!
O vício de descobrir talentos
Ao falar de Aurélio Pereira vem-nos à ideia a sua visão e estratégia na organização da rede de olheiros que implantou no clube. Naquele tempo, os melhores talentos vinham para Alvalade. Pelo prestígio da escola, pela negociação com os clubes e, sobretudo, pela confiança que o Aurélio transmitia aos progenitores. O Aurélio tinha o vício de descobrir talentos. Fosse onde fosse. Sempre à espreita. Nos jogos federados ou no futebol de rua, nos bairros. Como naquele dia em que chegou a Alvalade com um calmeirão que tinha descoberto a jogar nas peladinhas, na Quinta das Conchas (Lumiar): «Olha para este ponta-de-lança’!». Era um rapagão com idade de iniciado (sub-14). Para ele era um triunfo e o regozijo.
Filho do senhor Pereira, do Vidual
Grande Aurélio Pereira! Rapaz da minha geração com tantas afinidades. A começar pela paixão clubística e o viver o Sporting com dedicação e romantismo. Ambos residentes no Lumiar e lisboetas com origens serranas (Serra do Açor): o Aurélio, filho do senhor António Pereira, do Vidual (Pampilhosa da Serra), eu, filho do Zé Cândido, do Monte Frio (Arganil). Nos anos 60, ambos jogámos futebol nas camadas jovens do Sporting, com os treinadores José Travassos e Juca. E nos anos 80 e 90, eu como jornalista e dirigente do departamento de futebol juvenil e o Aurélio como treinador e, depois, chefe do gabinete de recrutamento e captações (scouting). Naquele tempo, trabalhava ele na empresa Novotipo, na Calçada de Carriche, e ao final da tarde chegava para as tarefas no Estádio de Alvalade. Eram tempos difíceis, condições precárias. Não havia relvados nem o conforto da Academia. Dezenas de miúdos treinavam-se no pelado de Alvalade e nos campos vizinhos da Torre e da Musgueira (alugados). Mas foi assim, nestas dificuldades, que Paulo Futre, Luís Figo, Quaresma, Dani, Hugo Viana, Simão Sabrosa, Cristiano Ronaldo e tantos outros cresceram e aprimoraram qualidades para chegarem ao estrelato internacional.
Com os 'violinos' em Côja
As recordações com o Aurélio levam-nos à convivência nas tarefas de Alvalade e nas reuniões e tertúlias, onde o Aurélio, com grande sentido de humor, exibia a sua faceta de rico contador de histórias e anedotas, umas atrás das outras… tão engraçadas. E a sua versão fadista? Sempre que se proporcionava, cantava o fado castiço. Como naquela noite, na Covilhã, quando cantámos na desgarrada (com a Luciana Abreu), no jantar de encerramento do torneio do AD Estação, de homenagem ao Yanick Djaló. Amiúde, participávamos nos vários torneios de Carnaval e da Páscoa, onde o Sporting era muito requisitado. E quando estivemos em Côja (Arganil), na velha-guarda do Sporting, com os violinos Jesus Correia, Vasques e José Travassos? Foi em 1991, nas Bodas de Prata do Clube Operário Jardim do Alva. Para gáudio do Jorge Calinas e do Luís Correia. O jogo foi no Campo da Carriça e o almoço foi no Lagar. Ai que saudades, ai, ai!
O mano Carlos Pereira
Como homem de memórias, ao falar do Aurélio não posso esquecer o mano Carlos Pereira, grande amigo e companheiro de várias cenas. Tal como o irmão, um camarada sempre disponível. Na cidade ou na aldeia. Ele que foi defesa-esquerdo, também um produto das escolas do Sporting, sendo campeão nacional (73/74) e vencedor de duas Taças de Portugal. Já como treinador, foi campeão nacional de juniores (95/96) e fiel adjunto da equipa principal, para certificar Paulo Bento. Naquele departamento tivemos o gosto de partilhar, durante tantos anos, ideias, estratégias e história do futebol do clube, com grandes mestres do futebol leonino: Fernando Mendes, Mário Lino e o senhor Juca. Grandes campeões, grandes senhores! E lembrar outros nomes do dirigismo do futebol juvenil, como Manolo Vidal, Manuel Aranha, Durvalino Neto, JM Torcato, José Maria Canhoto, Manuel Ferrão, Monteiro Castro, Henrique, Ernesto, Orlando, Abílio, Carlos Clemente, Cabral Melo. E o chefe Manuel Petronilho, rigoroso, intransigente. E o nosso convívio diário com os treinadores da formação: os míticos e sempre lembrados, César Nascimento e Osvaldo Silva. Mas também Hilário, Barnabé, Palhares, Miluir, Paiva, Bastos, Mariano, Oliveira, Leitão, Dinis… e o Carvalho, a tratar dos guarda-redes.
Tantos nomes, tantas saudades
Naquele tempo, para tratar da saúde, havia um departamento clinico com os médicos Branco do Amaral, Rodrigues Gomes, Fernando Ferreira, Virgílio Abreu, Teles Martins, Israel Dias, Gomes Pereira, Sanches, Mendonça, Vilela Dionísio, Alfaiate Leal... E os massagistas Manuel Marques, Bago d’Uva, Robalo, Veiga, Lourenço, Figueira, Fontinha, Mário André, Vieira, Rainho, Rodolfo Moura… E para aturar a rapaziada lá estavam os roupeiros António Rodrigues, Esquina, Vítor Sério, Pinto, Valente, Zeca… Tantos nomes, tantas saudades.
O saudoso Aurélio Pereira sempre foi considerado figura importante do futebol juvenil, mantendo boa relação de amizade e cooperação com dirigentes de outros clubes como Jaime Garcia (Boavista); Lino (Atlético); Feliciano e Costa Soares (FC Porto); Carlos Silva (Belenenses); Nicolau da Claudina (V. Setúbal); Arnaldo Teixeira e Ângelo Martins (Benfica); Conceição, Matine e Cuca (Est. Amadora); Óscar Marques (Leixões); Edmundo (Oriental)… São memórias do século passado. Dos tempos do romantismo desportivo.
Prémio 'Olho de Ouro'
Recordamos que certo dia, na apresentação do livro Ver Para Crer, escrito por Rui Miguel Tovar, no qual Aurélio Pereira conta as suas memórias na descoberta e formação de talentos, Paulo Futre, na sua maneira descontraída e exuberante, elogiou o «melhor olheiro do mundo», alvitrando o prémio «Olho de Ouro» para Aurélio Pereira: «Se existem os prémios ‘Bola de Prata’, ‘Bota de Ouro’ e ‘Bola de Ouro’ para os melhores jogadores, porque não distinguirem este homem com o «Olho de Ouro»? O senhor Aurélio merecia essa homenagem. Olhem… Se não fosse ele, hoje eu não estava aqui. Estava lá no Montijo e era bate-chapas!», disse, desconcertante."

Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!