"Há poucos meses ninguém diria que o Benfica poderia ganhar todos os troféus em Portugal. Se o momento da época tem de ser a saída de Amorim, a figura parece já estar encontrada
A realidade, essa, no entanto, não deixa de ser uma só para todos e não podemos omiti-la, mesmo que já a tenhamos repetido inúmeras vezes: só chegámos aqui porque a saída de apenas um homem, a anos-luz de distância o mais importante da estrutura, que não teve substituto aproximado ao ponto de anular rapidamente as dúvidas, fragilizou uma equipa que até aí parecia não tê-las. Claro que as lesões ajudaram, porém as fraquezas vieram das cabeças para o treino e depois para os jogos e não ao contrário.
A figura que agora emerge, com justiça, é a de Bruno Lage. Um treinador que lutou contra o contexto – segundo líder da época, pouca crença na equipa, um plantel não preparado por si e para si e um mercado fechado; e o rótulo que rapidamente lhe colaram, de alguém barato, que estava à mão e não teria nada a perder se aceitasse – e contra o passado. Tempos idos também eles de apoteose e de descida inesperada aos infernos, numa primeira temporada que teve muito de parecida com a atual, ainda que falte fechar o negócio com a conquista do título, e uma segunda que parecia caminhar para aí, porém terminou em amargura, com desaires sucessivos e o despedimento, que os benfiquistas não desejarão certamente que se repita, caso o técnico continue para lá do verão no clube.
Lage não fez tudo bem. E teve a equipa, e com ela os objetivos, a escaparem-se-lhe entre os dedos. A comunicação foi muitas vezes pobre e ineficaz, teve os desabafos de Rio Maior e da garagem, e a pobre conferência em que nada explicou logo depois. Esqueceu a utilidade de Rollheiser e traçou um plano que só ele conhece para Prestianni. Abdicou de jogar em Munique para que um resultado pesado não atrapalhasse a retoma, mesmo que a postura ferisse o orgulho dos adeptos. E tomou decisões em janeiro apenas para o imediato, para manter a ideia gerindo jogadores.
Não quero dizer que Bruma, embora tapando o crescimento de Schjelderup, Belotti e, Dahl não sejam importantes, todavia a equipa continua a revelar os problemas do passado: muitas dificuldades na primeira fase de construção quando sob pressão, impedindo muitas vezes a atração dos rivais para sair a jogar de forma associativa e forçando sucessivas diagonais Akturkoglu e Pavlidis ou Belotti com bolas longas; e ainda um ataque posicional deficiente, que se sente muito amarrado quando tem de furar blocos baixos.
Estratega, acrescentou ao modelo de Roger Schmidt, que também padecia dos mesmos problemas, uma primeira dimensão, por vezes sobrevalorizando-a, de observar e ajustar consoante o adversário, sobretudo em posicionamento do bloco, como fez no Dragão, e outra, a de analisar a sua própria equipa e fugir aos seus sistemas preferidos a fim de obter maior equilíbrio.
Esta segunda aposta tem sido o segredo do sucesso até aqui: a colocação de Aursnes como terceiro médio, ainda que sem bola pressione ao lado de Pavlidis/Belotti em 4x4x2 e saia ainda em apoio de Ángel Di María nas missões defensivas, o que leva a um enorme desgaste acumulado. Se a isto somarmos o que faz no ataque, o norueguês eleva-se facilmente ao estatuto de melhor e mais influente jogador encarnado em toda temporada, com Carreras e Tomás Araújo (e até Akturkoglu) como bons escudeiros.
O calendário do Benfica é mais complicado do que o do Sporting, no entanto os leões deixaram que se abrisse aqui mais uma porta inesperada aos rivais com o empate consentido em Alvalade com o SC Braga. A ideia de a Luz ser na penúltima ronda a grande cimeira do campeonato saiu reforçada, ainda que Guimarães, Amoreira e Braga sejam igualmente ameaçadores para quem não tem grande margem de erro. Lage terá esse importante momento de afirmação de todo o trabalho feito até aqui. Se conquistar o tão desejado título, já depois de arrecadada a Taça da Liga, a Taça de Portugal até pode escapar-se ao técnico que nenhum adepto esquecerá o feito.
Há uns meses se alguém dissesse em voz alta que o Benfica iria ter a possibilidade de conquisar todos os títulos nacionais seria muito provavelmente considerado fanático ou louco. Na verdade, mesmo com uma direção com dificuldades em encontrar o rumo e a acumular problemas de liderança, perda de massa crítica em vários setores e decisões mal calculadas – mesmo a de Lage, face ao contexto deixa dúvidas, porque, mais uma vez, é anterior saída de Amorim; ainda que hoje todos estejam contentes – um treinador conseguiu chegar até aqui, ao ponto de ter virado um campeonato do avesso. E, ao fazê-lo pela segunda vez, merece ser olhado de uma forma especial, diferente da primeira.
Talvez seja demasiado cedo para pensar no depois. Na Luz, é certamente, porque há muito não se antecipam cenários. No entanto, há um duplo desafio pela frente. Um de Lage, no sentido de dar mais um salto de patamar na qualidade desta equipa, acrescentando-lhe valências. O da direção, desta ou de uma outra se os resultados não segurarem a atual no poder, em perceber finalmente onde quer que o grupo esteja daqui por cinco ou dez anos. Para isso, será preciso olhar com mais atenção do que a atual para a Academia, para o departamento de scouting, para os jogadores contratados, a partir da ideia que se quer ver colocada em campo desde as bancadas."

Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!