"A caminhada triunfal da Atalanta na Liga Europa simboliza a vitória da ‘ideia’ e do modelo trabalhado, e ainda a da superação. Gasperini, que falhou no Inter, merece hoje todas as vénias
Setembro, 2011. Dia 21. Menos de três meses depois de o ter nomeado técnico principal e ao fim de cinco jogos sem vencer (um empate e quatro derrotas), o Inter despede um tal de Gasperini. Um verdadeiro desconhecido fora de Itália. Antigo médio da Juventus, na qual se forma como futebolista, tem no currículo um bom trabalho em Génova, após o arranque da nova carreira no modesto Crotone, porém é obrigado a esvaziar o escritório em Appiano Gentile sem uma única vitória enfiada nas caixas de cartão. A controversa linha de três defesas que colocara em campo implode antes de se poder consolidar.
Chega depois da ressaca de uma temporada inteira. Mourinho leva os nerrazzurri a ganhar tudo, inclusive a Liga dos Campeões no Bernabéu, a nova casa por oficializar perante todos menos talvez Matrix Materazzi, já que algo terá sido certamente balbuciado em esforço naquele longo e lavado em lágrimas abraço a poucos metros da porta da sala de Imprensa. Substitui-o um velho rival e freguês, o espanhol Rafa Benítez, que dura até dezembro apenas. Entra em cena Leonardo, que lhe aquece o lugar. Algo que ele próprio não consegue fazer para Ranieri. É muito pouco tempo.
No Meazza, dilly-ding, dilly-dong, Claudio dura seis meses. Andrea Stramaccioni um ano e dois meses. Walter Mazzarri outros seis. Roberto Mancini, que volta depois de anteceder Mourinho já com títulos conquistados, um ano e nove meses. Frank de Boer menos de três. Stefano Pioli sete. Luciano Spaletti, finalmente, dois anos. Todavia, o primeiro título só aparece com Antonio Conte, em 2020/21. O problema é bem mais profundo do que Massimo Moratti quer admitir no tempo de Gasperini.
Para Gian Piero, segue-se Palermo, na Sicília. Demitido e reconduzido em semanas, é despedido novamente passados 15 dias. Não se trata de mais do que da travessia no deserto que precisa fazer. Volta a Génova, onde está três épocas, e a Atalanta é o sexto clube numa carreira de trinta anos, iniciada nas camadas jovens da Vecchia Signora. Uma caminhada sem troféus até aos 66 anos e quase quatro meses de idade.
Em Bérgamo, é o rosto de um projeto que atinge, ao 116.º ano de história, o primeiro troféu europeu. O único desde a Taça de Itália de 1962/63. No final, em Dublin, encontra, como quase sempre, as palavras certas. Não é só a vitória, mas também a forma como vence: por 3-0, com uma master class impressionante diante de um adversário que carrega com leveza surpreendente um recorde de 51 jogos sem perder. Mas não só: «Ganhámos ao Liverpool quando estava no topo da classificação em Inglaterra, ao Sporting e agora ao Bayer Leverkusen. Estamos extremamente orgulhosos. É uma vitória memorável!»
É a vitória da ideia, do modelo trabalhado e da superação. E, mesmo assim, precisou de um Ademola Lookman inspirado. Quantas vezes não terá entretanto o bom do Gian Piero pensado nesse triste dia em Milão? Ou nas derrotas? Ele próprio o desvaloriza: «Não entendo isso de se precisar de conquistar um troféu para se provar algo. Não é por isso que sou melhor agora do que era esta tarde. Se fosse assim, só teriam vencido Inter e Juve. E também venceu o Bolonha, o Verona, que se salvou, e o Lecce. Cada um tem os seus próprios objetivos.»
Em oito temporadas, e depois de seis anos sem estar no top 10 da Serie A, La Dea termina por seis vezes entre os cinco primeiros, três das quais em terceiro. No seu primeiro ano no cargo, é quarto classificado, o que se traduz na qualificação para uma competição europeia 26 anos depois. Em 2019/20, numa época marcada pela pandemia da Covid-19, assina a melhor temporada, com o 3.º lugar do campeonato, e as presenças na final da Taça e ainda nos quartos de final da Liga dos Campeões. É por muito pouco que não se cruza com o Leipzig nas meias-finais. Os bergamascos são eliminados pelo PSG com dois golos no período de compensação, da autoria de Marquinhos e Eric Maxim Choupo-Mouting. Está depois em três Champions seguidas e mais duas finais da Coppa Italia, sempre com a Juventus como carrasco.
O lucro, desde que chega a Bérgamo, ascende aos 157 milhões de euros líquidos. O clube não se abstém de transferir craques por boas maquias, o que o obriga a que reinvente a equipa ano após ano. Não há praticamente quebra de rendimento, porém a sangria não lhe permite igualmente poder lutar por chegar-se um pouco mais à frente, quem sabe lançar a campanha definitiva para atacar o scudetto, e igualmente inverter mais cedo a tendência de falta de contundência em jogos decisivos.
O contributo é, contudo, muito maior. Num país com um calcio com o catenaccio e il gioco all’italiana, respetivamente versões extrema e moderada de uma identidade mais pragmática e resultadista, fortemente enraizados na sua natureza, tem conseguido inspirar uma (r)evolução tática, sobretudo ao nível da verticalidade e progressão rápida através de passes fluidos assim que a bola é recuperada, e até no surpreendente regresso à marcação individual pressionante a todo o campo. São vários os que se deixam contagiar, indiretamente ou até diretamente, como Thiago Motta, antigo pupilo no Génova e um dos mais emergentes técnicos da atualidade, a caminho da Juventus.
O futebol mostra-nos, desta vez, que também consegue ser justo de tempos a tempos. Não que Xabi Alonso e o seu Bayer nunca mais Neverkusen não fossem dignos vencedores ou não sejam também fenómenos extraordinários e igualmente importantes para a evolução, mas porque Gasperini e esta Atalanta já mereciam a redenção. Sim, Gian Piero, não é que precisassem, porém assenta-vos muito bem!"
Luís Mateus, in A Bola
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