"Durante vários anos, o Benfica tinha o ziguezague do lado esquerdo (Chalana) e o fio-de-prumo do lado direito (José Luís). O homem que procurava sempre a linha de fundo estreou-se com a camisola vermelha em Outubro de 1976 - substituindo Moinhos, em Setúbal.
Do lado esquerdo havia os ziguezagues de Chalana. Na direita, a linha recta: José Luís. Às vezes havia também Carlos Manuel, mas esse eu gostava mais de ver no meio, chutando e chutando sem descanso, marcando golos incríveis e inesquecíveis lá do meio do campo, como aquele nas Antas que deu a vitória na mais macabra edição das Taças de Portugal, como aqueloutro em Alvalade, ao Katzirz, de primeira, sem deixar a bola bater no cão - também foi para a Taça, e o Benfica acabou por perder e ser eliminado - e finalmente o pontapé de Estugarda que devolveu Portugal ao mundo dos mundiais.
Mas era de José Luís que eu falava. E José Luís era rectilíneo como poucos. Talvez um pouco como José Augusto, no antigamente, mas ainda mais a direito pela direita. Tinha um jeito especial para meter a bola para as costas dos adversários e fugir-lhe até à linha de fundo de onde centrava para Filipovic (depois Maniche) ou para o Nené marcarem golos atrás de golos neste Benfica-do-golo-atrás-de-golo.
Havia algo de estranho nessa forma de jogar. Talvez estranho não seja a palavra. Talvez diferente seja a palavra. Talvez estranho não seja palavra. Talvez diferente. Até porque os extremos do Benfica entendiam-se como a mão esquerda e a mão direita. Mas a mão esquerda, o Chalana, desdobrava-se em truques impressionantes de fazer que ia mas não ia, de esconder a bola por dentro dos pés para a revelar, inteira e decisiva, na hora de fazer dela o que queria. E José Luís era a corrida, aquela corrida impressionante de cabelos longos ficando para trás como se não fossem capazes de acompanhar a sua passada larga que abalava as estruturas de qualquer defesa.
Carta tarde, em Setúbal
Agora vou até ao dia 3 de Outubro em 1976, em Setúbal. Foi a estreia de José Luís pelo Benfica e perdeu. O campeonato começou muito mal para esse Benfica de Mortimore, mas foi só o começo que foi mau, acabaria por recuperar e conquistar o título, nunca desprezes a serpente por não ter chifres, quem sabe se não se transforma num dragão, dizia a sabedoria chinesa de Shaolin, Liang-Shan-Po.
O Vitória de Setúbal desse tempo tinha jogadores fantásticos, de Jacinto João a Jaime Graça, que voltara a casa, de Mirobaldo a Tomé e Wagner. A derrota encarnada não foi propriamente uma surpresa, portanto Fernando Vaz era um treinador sagaz, provocava urticárias aos adversários com um estilo de futebol miudinho, de toques e retoques trabalhando ao pormenor como uma renda de bilros. Mas no segundo tempo, dizem as crónicas, o Benfica melhorou. E uma das razões para isso foi, pelos vistos, a entrada de José Luís. Saiu Moinhos, que também costumava ser uma seta. E então, pela primeira vez, havia Chalana na esquerda e José Luís na direita. Chalana que não era canhoto, como muita gente diz, enganada, e que era um destro que aprendera a usar o pé esquerdo como ninguém mas que até preferia marcar penaltis com o pé direito. Seja como for, o que vale aqui é momento da história. O ziguezague do lado esquerdo e o fio-de-prumo do lado direito. Então o Benfica ganhou asas. Asas de águia que não foram suficientes para a vitória mas que iriam marcar definitivamente esse campeonato. Rogaram-se pragas a John Mortimore, mas o inglês do nariz adunco continuou, teimoso, a fazer o seu trabalho persistente. Terminou com 9 pontos de avanço do segundo, o Sporting, e José Luís afeiçoou-se ao lado direito de onde partia, com a velocidade de um Mercúrio com asas nos pés, à procura da linha de fundo na qual travar a sua corrida imparável. Era assim que se sentia bem: voando..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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