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terça-feira, 28 de junho de 2016

E quando o lance é cinzento

"Sob o ponto de vista da arbitragem, o último jogo de Portugal com a Croácia teve várias incidências, mas dessas destaco duas em particular, que servirão de mote ao assunto que hoje quero aqui abordar. A primeira refere-se a um pisão de José Fonte na perna de um adversário, quando o jogo já estava interrompido. Ficou a dúvida se esse contacto foi inevitável ou se o português atingiu o adversário de forma deliberada. A segunda refere-se a uma acção de Raphael Guerreiro que, já perto do final da partida, colocou as mãos nas costas de um atacante croata, na área portuguesa. O jogador aguentou o contacto e cruzou, embora em desequilíbrio. A dúvida é saber se esse toque foi suficiente para ser considerado infracção (e aí seria grande penalidade contra Portugal) ou se, por outro lado, podia ter sido considerado como um contacto no limite máximo da legalidade, visto que o adversário prosseguiu a jogada? As respostas a estas perguntas moram na opinião que cada um terá de cada lance, porque são de facto situações de análise muito difícil, susceptíveis de gerarem várias opiniões. São, aliás, a prova provada que a beleza do futebol passa por nem tudo ser expectável ou preto no branco e que o factor surpresa e imprevisibilidade só contribuem para alimentar a paixão que todos sentimos pelo desporto a que chamamos meritoriamente de rei.
É sobretudo devido a essa dificuldade de análise de várias incidências de jogo que muitas das decisões dos árbitros não são baseadas apenas no que vêem, mas sobretudo na sua intuição. E por intuição refiro-me a experiência acumulada, a vivências de jogo, àquilo a que chamamos feeling e que lhes permite lerem qualquer lance com mais maturidade, qualidade e grau de acerto.
Usar os sentidos como ferramenta de apoio à decisão é pois uma das formas mais inteligentes que um árbitro pode ter para avaliar, sobretudo quando o lance é assim: cinzento. Porquê? Porque por vezes ver não chega. É preciso deduzir. Sentir. Cheirar. Perceber através do que se conhece dos jogadores e do jogo. É fundamental saber ler a expressão de inocente ou culpado do eventual infractor, a cara de dor da alegada vítima, a forma como o jogador cai, a maneira como aceita ou contesta a decisão, o tipo de lesão que a jogada originou, a linguagem corporal envolvida, a atitude de cada um perante o árbitro e adversário. Até a forma como o público reage, como fala. Tudo conta, tudo ajuda.
E aí o árbitro mais sensato, mais forte emocionalmente, mais perspicaz e intuitivo, falhará menos. Porque, tal como jogar, arbitrar é uma arte para gente inteligente."

Duarte Gomes, in A Bola

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