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quarta-feira, 18 de maio de 2016

O menino que levou a águia ao 'tri'

"Por mais que se transforme em indústria milionária, com recurso a meios científicos sofisticados em todos os níveis, a rua permanece como a tecnologia de ponta do grande futebol. Sendo um processo em vias de extinção, porque o Mundo mudou e a relevância do bairro tende a desaparecer como elemento preponderante da formação futebolística, a maioria dos génios continua a ser originária de cenários livres, por norma de dificuldade quando não de miséria. Renato Sanches é bom exemplo para medir o peso relativo dessa fase embrionária porque na Musgueira, onde nasceu e cresceu, só a bola o impeliu a sonhar e lhe deu prosperidade. A existência que parecia condenada à derrota social comum a tantos meninos como ele, abriu-lhe um horizonte de sucesso inalcançável de outro modo. A história, como de costume, é mais do que um relato desportivo. É uma história de vida cada vez mais rara.
Desarma à frente e ataca de trás; vive no meio mas exerce à esquerda e à direita. Chega a parecer um fantasma, porque ninguém acredita ser possível estar em sítios diferentes fazendo tanta coisa ao mesmo tempo. RS atua numa posição que permite a exaltação do talento mas também exige responsabilidade máxima no comportamento - e, naqueles terrenos onde tudo se decide, ainda incorre no erro de fazer o que sente onde está obrigado a fazer o que deve. No resto, é o super-homem em corpo de adolescente, com coragem para assumir todos os duelos e técnica para iluminar com lucidez, visão e habilidade o caminho que dá acesso à baliza contrária. É um fenómeno a transformar-se, instantaneamente, de vigilante do seu espaço em invasor do terreno inimigo, como protagonista de aventuras individuais, jogo combinado ou meros toques que põem em causa a solidez da muralha defensiva contrária.
Quando chegou introduziu paixão, aventura, exaltação, verticalidade, potência, sonho e esperança numa equipa órfã, de exemplo e entregue à fatalidade de um destino perdedor que parecia inexorável. Foi ele o exemplo do novo paradigma, a alma redescoberta de um clube sem soluções para gerir a herança vitoriosa de Jorge Jesus e o motor de arranque inesperado de um Benfica perdido na teia dos 7 pontos de atraso em relação ao Sporting ao fim de 8 jornadas. RS constituiu o mote de superação numa fase em que tudo estava em causa, como força motriz de alegria, compromisso e exemplo que contagiou um exército (a equipa) e uma nação inteira (o Benfica da cabeça aos pés). O efeito que teve na sensacional campanha encarnada juntamente com Pizzi) foi decisivo. É natural que os adeptos da águia o declarem inesquecível. Para eles e para quem gosta de futebol é muito difícil não sentir afeto por um futebolista assim.
RS revela algumas imprecisões comuns a jovens com 18 anos mas concentra quase todos os elementos de que são feitos os grandes craques; não assimilou ainda os benefícios da boa ocupação do espaço e do tempo de entrada aos lances, mas joga com intensidade máxima e maneja todos os elementos de força e velocidade; não é perfeito naquilo que o futebol exige de relevância tática, mas tem explosão, descaramento e boa relação com a bola, valores que o ajudam a ganhar etapas na construção e na rapidez com que coloca a equipa em situação de atacar a baliza contrária. Não é, nem podia ser, um jogador definitivo. Precisa de continuar a ouvir os mestres, sem perder o estímulo de antecipar o perigo e tomar as melhores decisões em posse; manter a humildade, não dar por concluida a aprendizagem e moderar o ímpeto selvagem que o caracteriza. No fundo, tem agora de interpretar o teste de exigência máxima a que vai ser submetido no Bayern para atingir o nível que só por preconceito, perversão ou ignorância lhe pode ser negado à partida: o de um dos melhores médios do futebol mundial da próxima década."

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