"O Benfica de Macau conseguiu a proeza de se tornar tricampeão do velho território que dava pelo nome de Cidade do Santo Nome de Deus. Uma espécie de antecipação daquilo que pode acontecer à beira Atlântico, a tantos milhares de quilómetros de distância.
Macau - No tempo da mestra palmatória, quando as paredes das salas de aula tinham penduradas as fotos de suas excelências o Presidente da República e o Presidente do Conselho e um mapa-mundi com as colónias portuguesas num orgulhoso destaque colorido, aprendíamos a recitar: «Cidade do Santo Nome de Deus Macau, situada no delta do Rio das Pérolas, tem 16 Km quadrados e é formada pelo território de Macau e pelas Ilhas de Taipa e Coloane».
Dezasseis quilómetros quadrados entretanto transformados em trinta e três pela irresistível força das areias e dos aterros sobre os quais se erguem edifícios de mais de cem andares de altura. Trinta e seis casinos que movimentam milhões de euros por dia, um crescimento nítido e gigantesco que entra pelos olhos dentro a cada regresso.
Gosto de Macau, por mais diferente que vá sendo, ano após ano. Há ainda nos restaurantes da Rua de Pequim o cheiro inconfundível das ervas cozidas; na Taipa, a par dos grotescos Venetian e Sheraton com as suas Praças de São Marcos e Torre Eiffel de pacotilha, as travessas de ruelas de uma Lisboa antiga; em Coloane o Ngnai Tim Café e sua estreita mancha de areia virada para um mar sem ondas.
Na Cidade do Santo Nome existe um Benfica campeão, bicampeão, e agora tricampeão. A Liga de Elite, que se disputa desde 1973, tal como a Liga de Hong Kong, é separada do campeonato chinês de Futebol. Congrega dez equipas. Nos últimos dois anos, o campeão foi a Casa do Benfica de Macau, mais retoricamente conhecido por Benfica de Macau. Fundada em 1951, demorou tempo a dedicar-se ao Futebol maior deste Futebol menor que por aqui se joga, assim meio abandonado pelo público que prefere as corridas, de cavalos ou de cães se os cavalos não correm, ou os campeonatos de «Bolinha», um jogo de sete-contra-sete à moda do futsal, que tem um sem número de seguidores e, por coincidência, também o Benfica como último campeão.
Sob o comando de Henrique Nunes
Henrique Nunes velho conhecido de tantos anos no comando do Feirense, foi-nos contando coisas sobre a sua experiência como treinador deste Benfica do Rio das Pérolas enquanto a noite avançava húmida e morna por sobre a varanda do «António's», junto à Rua dos Clérigos. Na equipa desta época, que comanda o campeonato no mais profundo dos sossegos, seguida a longa distância pelo Tak Chung Ka (10 pontos de avanço) e pelo rival de sempre Sporitng (12 pontos de avanço) estão quatro portugueses - Filipe Aguiar, Marco Meireles, Rui Nibra e Carlos Leonel - que também jogam na Selecção de Macau, 194.º do «ranking» da FIFA, com tudo o que tal classificação possa explicar.
No próximo dia 20 de Maio, Benfica e Sporitng defrontam-se no «derby» macaense - na primeira volta, no Campo da Universidade, o Benfica venceu por 2-1. Mas ninguém tem dúvidas de que os 'encarnados' serão campeões, tendo chegado à 14.ª jornada com catorze vitórias e 66-1 em diferença de golos. Pois... Que diferença! O Sporting de Macau é mais antigo do que o Benfica - a sua fundação data de 1926 e de lá vieram, para a metrópole, figuras gradas como o grande Rocha ou Pacheco. Nos títulos, essa antiguidade não tem expressão: só foi campeão do território uma vez, em 1991.
Parente pobre das multidões, o futebol de Macau tenta, de quando em vez, erguer-se dos escombros de um desinteresse quase universal, se deixarmos de lado o diminuto apoio da pequena comunidade portuguesa da região.
No último domingo, o Benfica de Macau jogou fora frente à Casa de Portugal - como se, em Macau jogar fora ou em casa não fosse a mesma coisa - e ganhou como de costume: 6-0. E garantiu o tricampeonato. Algo que o Benfica deste lado do Mundo também está à beira de conseguir. Uma antecipação, portanto. Que não admira. Afinal é a Oriente que nasce o sol..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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