"Era um indefectível admirador de Lance Armstrong. Não só pela sua senda vitoriosa, como pelo modo como ultrapassou a proximidade de uma morte tantas vezes anunciada pelo cancro.
Em discurso directo, chega-nos, por fim, a fria confissão-confirmação da batota. Perante uma interlocutora que se limitou a gerir o desconhecimento dos meandros do ciclismo e suas artimanhas. Tal não terá sido por acaso, pois, com um entrevistador que estivesse dentro do assunto, o diálogo seria bem mais duro e focado.
Não sei se terá sido uma machadada final no ciclismo, mas o abalo é teluricamente devastador. Basta pensar na teia que permitiu esta normalidade durante mais de uma década entre médicos, laboratórios, dirigentes, colegas. Quantos estarão coniventes por acção ou omissão? Sendo a luta contra o doping um jogo tecnológico, biológico e científico do gato e do rato, este momento é uma significativa vitória da verdade desportiva sobre a falta de ética. Como também o foi a penalização de outros ciclistas de nomeada. Mas Armstrong é apenas a ponta de um enorme iceberg de hipocrisia, interesses e manipulações.
Há ainda outro ponto sobre o qual vale a pena reflectir (no ciclismo, como na maioria dos desportos): cada vez mais a vitória e o sucesso exigem esforços e capacidades que vão para além da sã competição. A glória, o dinheiro, a ganância desportiva, o culto do super-homem têm conduzido a todo o tipo de estratagemas que, no fim, acabam por se virar contra os protagonistas-cobaias. É também o tempo de prevenir. Nos traçados hercúleos das competições e, sobretudo, na coisificação da pessoa humana em troca de vã glória."
Bagão Félix, in A Bola
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