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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Quanto é que apostas?


"A história que vos vou contar, e que se passou com uma amiga, não é propriamente original. A verdade é que, infelizmente, começa a ser algo assustadoramente comum. Ora então, a Marta, chamemos-lhe assim, criou uma conta poupança com o namorado com o objectivo de amealhar o valor suficiente para dar entrada numa casa. Ora, quando juntaram cerca de cinquenta mil euros começaram a fazer visitas, mas nenhuma das casas que viram lhes agradou particularmente. Como não tinham pressa foram esperando, até que um dia uma agente imobiliária os contactou e lhes disse que achava que, finalmente, tinha a casa certa para eles.
E acertou. A Marta adorou a casa e o preço estava dentro do intervalo que tinham definido. Estranhamente, o Jorge, outro nome fictício, não só não pareceu minimamente entusiasmado como começou a arranjar defeitos e a colocar entraves a tudo e mais um par de botas.
Foi aqui que começaram as discussões: se a casa era tudo o que sempre tinham desejado, porque diabos estava o Jorge agora a complicar? A Marta, na tentativa de o convencer, acabou por decidir ir ao banco pedir uma simulação. E foi lá que descobriu o motivo da renitência do namorado: a conta poupança tinha menos de vinte mil euros. Trinta mil euros tinham desaparecido e ela não fazia ideia para onde ou para quê. A única coisa que conseguia ver é que tinham sido mobilizados aos poucos, durante o último ano, para a conta à ordem do Jorge. Quando chegou a casa, já a chorar baba e ranho, e o confrontou, teve a surpresa de uma vida: ele tinha perdido o dinheiro em apostas desportivas. «Calma que eu vou recuperar tudo», dizia-lhe. Ela não aguentou. E até ao dia de hoje ele não recuperou nem o dinheiro nem a namorada.
Em Portugal, apesar do fenómeno das apostas desportivas não estar suficientemente estudado, temos dados suficientes para saber que existem muitos Jorges por aí. Sabemos que perto de 40 % da população fez pelo menos uma aposta desportiva nos últimos doze meses (a esmagadora maioria em futebol), que 79.6 % dos apostadores o faz via online e que a maioria dos apostadores são homens na faixa etária compreendida entre os 23 e os 34 anos.
Também sabemos, através de um estudo intitulado blind game, que 7.3 % destes apostadores gastam mais de cem euros mensais com esta prática. Falta apenas acrescentar, para que o retrato fique mais ou menos completo, que a maioria dos jogadores o faz com o objectivo de ganhar dinheiro ainda que saibamos, porque o fenómeno está mais do que estudado, que apenas 3 a 5 % dos apostadores desportivos conseguem ser lucrativos de forma consistente.
Acredito que todos estejamos cientes de que este mercado das apostas desportivas é cheio de riscos. E o primeiro deles está relacionado com a saúde mental dos apostadores. Com o digital a facilitar o acesso e com a motivação para ganhar dinheiro rápido como combustível, a dependência é uma realidade em demasiados casos. Segundo um artigo publicado este ano no Jornal de Notícias, 326.000 portugueses utilizaram o mecanismo de autoexclusão do jogo online. Não sabemos quantos destes casos estarão relacionados com apostas desportivas — o que é quase ridículo se atendermos ao crescimento explosivo deste mercado —, mas sabemos que os números serão elevados.
E todos os dias vemos nas redes sociais influencers que deviam ter mais responsabilidade e juízo a promover estas apostas e, alguns deles, inclusivamente, a prometerem enriquecimento rápido aos jovens que, para piorar, os vêem fazer vidas altamente luxuosas supostamente graças a estas mesmas apostas — sem perceberem que são eles mesmo que os enriquecem com as suas visualizações e com a sua participação nas formações e esquemas que promovem.
É fácil perceber porque é que o Estado não tem mão mais pesada nestas apostas: só em 2024, o jogo online gerou mais de 500 milhões de euros em receita bruta com uma parte significativa da mesma a reverter para os cofres públicos. Mas acreditem que se continuarmos neste registo, muitos milhões terão de ser gastos a recuperar a saúde mental dos apostadores que acabam viciados criando um verdadeiro problema de saúde pública.
Reparem, eu compreendo que a proibição não poderá ser o caminho – rapidamente o mercado ilegal ou não regulado das apostas desportivas engoliria os apostadores que agora o fazem dentro da legalidade, mas, ainda assim, não podemos fingir que o Estado Português não investe muito pouco na prevenção destes comportamentos, na literacia financeira ou no tratamento da dependência quando esta se instala. A saúde mental em Portugal é um parente pobre do sistema e as dependências, estas em especial, são a prima afastada desse parente.
De qualquer forma, dando agora um pequeno salto, a saúde mental dos apostadores não é a única afectada por este mercado. O próprio desporto é uma vítima deste predador pois, actualmente, a sua integridade está permanentemente ameaçada.
Manipulação de resultados ou de eventos no jogo, pressão sobre árbitros e jogadores - e, em Portugal, com a precariedade que sofrem atletas de clubes mais pequenos, sabemos quão tentador pode ser o dinheiro fácil que se ganha, por exemplo, apenas por ver um cartão… Tudo isto pode ter um brutal impacto sobre a credibilidade do desporto e minar a confiança dos adeptos. E não, não estamos sequer no campo do hipotético. Quem é que não se lembra da Operação Jogo Duplo, em 2016 e 2017, envolvendo jogadores do Oliveirense e do Oriental, dirigentes e empresários onde, a título de exemplo, a rede que geria as apostas ofereceu €6000 a um jogador para provocar uma grande penalidade?
Sei que combater uma máquina como a das apostas desportivas não é fácil, mas, por tudo o que escrevi, é absolutamente necessário. E fazê-lo passa, por exemplo, por banir patrocínios de sites de apostas em camisolas e recintos desportivos, restringir o conteúdo promovido por influenciadores e educar para os riscos de dependência. Além disso, é importante promover o conhecimento sobre probabilidades reais e mitos do jogo, tornar obrigatória a verificação da idade e identidade com documentos antes de permitir apostar e impor limites automáticos de apostas diárias/semanais e de espera (cool-off periods) após perdas sucessivas ou sessões prolongadas.
Não podemos continuar a fingir que as apostas online em Portugal não têm potencial para se tornar um problema de saúde pública. Agir é muito mais do que urgente.

No Pódio
Esta semana, por razões óbvias, o pódio não podia ficar para outros que não João Gião e a equipa B do Sporting. A equipa segue líder do campeonato, com 18 golos marcados e cinco sofridos, e mostra-se, como canta Rui Veloso, «à prova de bala, à prova de tudo». Depois de ver cinco dos seus jogadores serem chamados à equipa A e responderem com a qualidade a que todos assistimos na Taça da Liga, João Gião só pode ser um treinador satisfeito. Tão satisfeito como estamos nós, sportinguistas, por percebermos o trabalho de qualidade que está a ser feito na nossa academia, semana após semana.

Na bancada
Há um poema do nigeriano Chinua Achebe que nos lembra que há sempre um abutre pendurado num ramo a aguardar um resto de sucesso que possa usar como refeição. E é exatamente esses abutres que me lembram as notícias dos últimos dias e que vêm insistindo na ideia da uma possível saída de Rui Borges para o Wolverhampton e de João Gião para o Casa Pia. «Ai o Sporting está a jogar bem, com as duas equipas em ótimo momento? Então vamos lá arranjar uma forma de desestabilizar!» — é mais ou menos esta a lógica, não é? Já vos disse que só me lembram abutres?"

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