"Depois de uns segundos com a cabeça a rodar, incrédulo com o que estava (novamente) a acontecer, enfiei-me na cadeira e preparei-me para o impacto da dor que apareceu como um camião. Em milésimos de segundos racionalizo o que acabou de acontecer: «Não acredito. O Santa Clara empatou, dois pontos perdidos, mesmo com um a mais. Não jogamos nada, esta época está a ser igual às outras, mesmo com mais de 100 milhões investidos.»
Mas depois o camião abalroou-me e absorvi a dor em segundos porque já estou anestesiado. Já estou habituado. Pensei e isto é profundamente triste: «Foi só mais uma sexta-feira na minha vida de benfiquista.»
Há 30 anos que vou ao Estádio da Luz e não minto se disser que em 20 desses 30 (e estou a ser simpático) em todos eles tive esta sensação de fragilidade, de precipício, de assobios e burburinhos no estádio ou então daquelas vitórias de tédio e de morte lenta em que todos sabemos que estamos a ir de vitória em vitória até à derrota final. Vivo e recordo o passado Glorioso do Benfica e morrerei a achar que este é o maior clube português e que é vergonhoso ganhar tão pouco e essa revolta ainda sinto.
Essa chama ainda sinto. Às vezes apetecia-me gritar aos ouvidos de todos os meus consócios no Estádio da Luz e chamar-lhes todos os nomes possíveis e imaginários. Corria cadeira a cadeira e gritava-lhes, mas com muitas asneiras à mistura que aqui não posso escrever.
«Pá, como é que aceitas isto? Como é que te habituaste a isto? Perdemos campeonatos atrás de campeonatos, não ganhamos uma Taça de Portugal há uma porrada de anos, levamos cinco do FC Porto, o FC Porto vem cá ser campeão, o Sporting já ganha mais que nós, os nossos dirigentes gastam rios de dinheiro, se calhar andam para lá a roubar o clube e não passamos da cepa torta. Revoltas-te com o Lage? Revolta-te é com os presidentes, caramba!!!». E claro que o caramba aqui seria outra palavra começada por c...
É que depois sai uma sondagem que diz que Rui Costa está à frente nas intenções de voto, com Vieira a aproximar-se. E eu, já em casa, preparo-me novamente para o impacto da dor que parece um camião a albaroar-me. Sentindo a cabeça a rodar, incrédulo com o que está (novamente) a acontecer, enfio-me na cadeira e absorvo a dor, que em segundos passa. Não duvido. É possível.
Que mesmo com isto tudo, sejam o Rui e o Vieira que estejam na frente, e não o Manteigas e o Noronha. Apesar de todas estas estaladas constantes, há uma maioria silenciosa dos sócios do Benfica que me assusta profundamente. Aqueles sócios que não estão nas redes sociais.
Ou que estão no Facebook. Que vivem o Benfica nessa rede azul, na tasca, na casa do Benfica e na BTV. Para eles, o Noronha é o homem dos hambúrgueres e mal sabem quem é Manteigas. Portanto, a solução é o Rui ou o Vieira. Até porque são estes sócios quem mais sofrem com o Síndrome de Estocolmo que Vieira os injetou: quem vem de fora são sempre abutres e garotões.
Ingratos que se esquecem como estava o clube antes dos salvadores chegarem. Nem as pedras da calçada tínhamos. E temos ganho. Até fomos Tetra. E não se pode ganhar todos os anos. Há azares. E a arbitragem. E o Pinto da Costa mandava nisto tudo. E agora é o Varandas.
Sinto-me como aqueles hamsters que correm e correm na roda, mas nunca mais saem do mesmo sítio. Há 30 anos que vou ao Estádio da Luz. E em 20 desses 30 anos (e estou a ser simpático) vivo este Benfica doente, viciado, podre, anestesiado, esquecido do que foi e do que deveria ser.
Sinto que na melhor das hipóteses tenho mais 30 anos para ir ao Estádio da Luz. Será que 20 dos próximos 30 (e se calhar a ser simpático) serão mais disto? E que morrerei sem respirar fundo, fechar os olhos e pensar: «Tanto tempo à espera disto. Mas o Benfica que sonhei e ambicionei durante tantos anos está de volta. O Benfica que me ensinaram, que aprendi lendo e vendo vídeos, o Benfica de antigamente, o Benfica que deveria ter sido de sempre. Elevado, místico, glorioso, vitorioso, puro, belo, vermelho. A sentir novamente a imponência das palavras Sport Lisboa e Benfica. Estádio da Luz. Inferno da Luz. A vénia. A mística. O terceiro anel. O clube do povo.»
Já há 7 anos que colaboro com o zerozero com estas crónicas. A intenção sempre foi soltar o que me vai na alma e se quem ler se identificar, ainda melhor. Mesmo sabendo que há sempre críticas porque aos olhos de alguns me torno em mais um dos abutres, dos garotões, dos que querem tacho, dos que não têm gratidão. Mas é o que é. Quem se expõe, dá a cara e dá opiniões, leva com o bom e o mau. Mas a frase recorrente nestas crónicas sempre foi:
Do Benfica não se desiste.
Mas da forma mais pura e profunda vos confesso: Está difícil. Está muito difícil. Honestamente se em outubro o Benfica não muda de vez para pessoas novas e continua neste marasmo, eu sinto que irei perder as forças. Abandonar o clube ou deixar de ser dele nunca, porque não o consigo, mas ficarei prostrado no chão das misérias por tempo indeterminado sem saber o que mais pensar sobre este clube ou sobre a sua massa associativa
Foi uma crónica mais pessimista, porque é o que vai na alma hoje. Depois de amanhã, é dia de voltar à luta. Escrever, twittar, falar, lutar pela mudança. Todos precisamos de falar com todos, principalmente com aquela maioria silenciosa dos sócios do Benfica que não estão nas redes sociais. Se conheces um, insiste. Continua a falar com ele. Relembra-o que o Benfica é o maior clube Português e ganhar tão pouco é inaceitável. E que se hesitam que as pessoas que por lá passaram já desviaram um euro que seja do clube, o perdão é imperdoável.
Até 25 de outubro tenho, temos, de lutar com todas as nossas forças. Depois desse dia, logo se vê. Nem quero pensar. É o dia do 25 de Abril Benfiquista. De olhar para o futuro a cores. Ou a continuação de dias cinzentos, anestesiados e pobres, como era Portugal antes do dia da Revolução."

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