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sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A influência da emoção nos valores das transferências de jogadores


"Ao longo das últimas épocas, o dinheiro que circula entre clubes de futebol profissional pelas transferências de jogadores cresceu significativamente, tornando-se um grande negócio. Para os clubes, os jogadores e respetivos contratos de trabalho constituem um património importante. Assim, compreender e estimar as taxas de transferência é um assunto atraente para os adeptos, comentadores, dirigentes, treinadores e olheiros que analisam e ajuízam cada jogador e cada decisão de recrutamento tomada por um clube.
A decisão de recrutar um jogador ainda sob contrato com outro clube deve ser considerado um investimento, que como tal tem um risco associado. Ou seja, há sempre a possibilidade de um clube pagar dezenas de milhões de euros por um jogador e este, quando lançado em jogo, não corresponder às expectativas. Para minimizar o risco, os clubes usam cada vez mais modelos analíticos preditivos, baseados em dados estatísticos que permitem informar os dirigentes decisores do desempenho, habilidades e potencial de um jogador, bem como avaliações comparativas face a jogadores semelhantes no mercado.
Neste modelo existem fatores determinantes que influenciam a taxa, tais como a idade do jogador, posição em campo, estatísticas de desempenho (golos, assistências, minutos jogados, etc), a duração restante do seu contrato, experiência, aparições internacionais, histórico de lesões, condições de mercado tais como oferta e procura e, acima de tudo, a raridade das suas habilidades e o seu valor comercial como um ativo para a equipa e o clube. Agentes, perfil dos dirigentes, media, ofertas feitas por outros clubes, reputação, credibilidade e tamanho do bolso do clube comprador e a dinâmica do mercado também influenciam fortemente a avaliação final. No entanto, a taxa final é o resultado do confronto entre a utilidade que o putativo clube comprador espera do jogador e a necessidade de alineação pelo vendedor. Por conseguinte, plausivelmente, espera-se que os atributos, raridade e utilidade do jogador e as características dos clubes influenciem a negociação e expliquem a taxa de transferência. Mas este é só o lado da taxa associado à análise, à lógica e ao raciocínio. O mercado, sistematicamente, prova que nem sempre a racionalidade impera. Na realidade, falta considerar-se o lado mais importante, aquele que é associado à emoção e aos fatores emocionais.
Um fator emocional é uma influência psicológica na forma de crenças, perceções e sentimentos que podem influenciar a tomada de decisões do dirigente decisor. No futebol, alguns dos fatores emocionais que justificam e apoiam a lógica da compra incluem confiança, raridade dos atributos do jogador (noção de escassez), medo de perda da oportunidade (noção de urgência), desejo de status, antecipação de satisfação. Pelo lado dos dirigentes vendedores os fatores emocionais podem envolver confiança do processo de vendas, precipitação ou delonga em fechar um negócio e o risco de perder a objetividade por ficar muito preso ao momento. O clube vendedor que melhor entenda os fatores emocionais adapta a sua abordagem de vendas à criação de conexões emocionais e construção de confiança, levando ao fecho de bons negócios. Assim, entender e manipular os fatores emocionais é fundamental para o sucesso da transação de direitos desportivos, já que as emoções levam a decisões de compra.
No tempo que corre, os clubes mais sofisticados estão a utilizar os fatores emocionais e inerente conexão emocional como parte da ampla estratégia que envolve a jornada da alineação dos direitos desportivos de um jogador, desde o desenvolvimento da narrativa para o mercado, o marketing comunicacional, a prospeção de potenciais clientes, senso de urgência ou status para se conectar com as necessidades emocionais do comprador e incentivar a venda. A narrativa do clube vendedor fortalece motivadores emocionais importantes e influenciadores no processo de decisão do clube comprador, apoiados em crenças e sentimentos, que incluem desejos de se contratar um jogador que se destaca dos demais, que resolve as carências em determinada posição, faz os adeptos acreditarem que este é o tal e desfrutarem de uma sensação de privilégio por o verem jogar, e que é uma boa oportunidade de mercado com potencial de valorização económica, para citar apenas alguns. Considera-se, então, que um putativo cliente está emocionalmente conectado quando ele alinha as suas motivações, necessidades e desejos profundos à narrativa do clube vendedor.
A emoção é, então, a razão que alavanca a taxa dos direitos desportivos em benefício do vendedor. Em Portugal os clubes mais intervenientes no mercado utilizam muito bem o lado emocional. Observe-se a prática do Benfica (provavelmente o melhor clube a fazê-lo) quando pretende vender os direitos de determinado jogador. Inicialmente cria uma narrativa baseada no desempenho de um jogador com um perfil difícil de encontrar (noção de escassez), desenvolve na comunicação social uma forte campanha de marketing emocional que reflete os desempenhos superlativos do jogador, divulga putativos interessados e cria a noção de forte procura pelo jogador (noção de urgência na decisão de compra). O resultado são as brilhantes vendas efetuadas nas últimas épocas. Benfica despede-se de Akturkoglu: valores oficiais do negócio
Observe-se agora o caso do Nottingham Forest (NFC), clube proprietário dos direitos do jogador Jota Silva (JS). No final da época 2023/24 o NFC adquiriu ao Vitória de Guimarães os direitos desportivos de JS por aproximadamente €7 M. Durante a época de 2024/25 o jogador apresentou indicadores quantitativos de desempenho que não justificavam a sua continuidade no NFC (37 jogos, dos quais 5 como titular, 888 minutos, 4 golos, 2 assistências, 22 remates com 5 no alvo, cometeu e sofreu 23 faltas e viu 5 amarelos). Perante este quadro, o NFC começou em junho de 2025 uma narrativa e marketing emocional nos media ingleses (ex, Daily Express) segundo a qual o JS é «um alvo» para um «punhado» de equipas da Arábia Saudita por um valor a rondar os €13 M. Esta comunicação surte efeito e ainda em junho a media desportiva portuguesa menciona que Rui Borges, treinador do Sporting, pensa em Jota Silva para reforçar o clube. Posteriormente esta possibilidade de transação para Alvalade começa a ganhar força e o NFC sobe o valor para €15 M. Poucos dias antes de fechar a janela de transferências de verão o NFC faz circular a informação que recusou uma proposta do clube brasileiro Botafogo por €19 M fixos mais €4 M em variáveis. Segundo a imprensa portuguesa, o Sporting fecha a transação do jogador minutos antes do fecho de mercado por €4,5 M de taxa de empréstimo e €15 M fixos no final da época. Este exemplo permite verificar que os indicadores de desempenho de JS dificilmente justificam uma valorização da sua taxa em 278% sobre o valor de aquisição, um ano antes. No entanto, a procura por diversos clubes (nunca confirmada), a noção de urgência de Rui Borges ter um jogador com os raros atributos de JS (noção de escassez) e os dirigentes do Sporting necessitarem de mostrar serviço inflacionaram o preço, distorcendo o que deveria ser uma relação justa entre custo-benefício (segundo especialistas, considerando o plantel do Sporting, o modelo de jogo e a ausência de lesões dos jogadores chave, dificilmente JS teria entrada direta no onze inicial, para além disto a sua idade é outro fator em ter em consideração num possível futuro retorno económico. Ou seja, segundo estes especialistas a probabilidade de retorno económico seria nula). Independentemente de a transação não ter acontecido por um detalhe técnico, eis novamente os fatores emocionais a comandarem a taxa dos direitos desportivos de um jogador.
Em conclusão, pode referir-se que os fatores motivacionais permitem ao clube vendedor criar um clima de escassez e urgência que conduzem o clube comprador a pagar uma taxa superior à indicada pela racionalidade da operação e até ao comparativo de mercado. Assim, a fixação da taxa de transferência de direitos desportivos de jogadores de futebol profissional supera a razão e vai ao encontro de António Damásio ao afirmar, no seu reconhecido livro O Erro de Descartes, que as respostas emocionais refletem a interação com o todo e as perceções. Assim, provavelmente, uma larga fatia da taxa corresponde à crença emocional de se acreditar em algo maior que a razão."

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