"Mão amiga fez-me chegar à mão uma crónica de notável lucidez, assinada recentemente por Raúl Caneda em La Voz de Galicia, nas vésperas da final do Euro 2024. O enquadramento era um de um país – a Inglaterra, adversária da Espanha – que, em relação ao futebol e como nenhum outro, enquadra na perfeição as dimensões de tradição (nasceu lá o futebol como o conhecemos há mais de um século) e negócio (nasceu lá a mais lucrativa competição nacional de clubes, a Premier League, há 30 anos). Mas a nível de seleções falta-lhes algo essencial: ganhar.
A Inglaterra está historicamente agarrada a um único sucesso de seleções, o Mundial de 1966, vencido em casa, como a Espanha esteve largas décadas a suspirar por repetir o Europeu de 1964, curiosamente também ganho em casa. E crescemos nós, os nascidos ali pela década de 1970, a ouvir falar da capacidade atlética invulgar dos futebolistas ingleses ou da celebrada fúria espanhola. A verdade é que, a nível de seleções, quando só podiam utilizar os seus nativos, eram um deserto de vitórias.
A Espanha mudou, com Cruijff e depois com Guardiola, com os teóricos do Jogo de Posição e da cultura de La Masia que Aragonés e Del Bosque aproveitaram sabiamente, com um culto do belo jogo exponenciado por jogadores de qua
lidade e a seguir exportado em treinadores de elite. Libertou-se da fúria e cuidou da bola, valorizou o passe e percebeu de vez que a intensidade que mais conta é a de pensamento. Em pouco mais de década e meia, ganhou um Mundial e tornou-se rainha da Europa, com três vitórias em cinco edições de campeonatos continentais de seleções.
lidade e a seguir exportado em treinadores de elite. Libertou-se da fúria e cuidou da bola, valorizou o passe e percebeu de vez que a intensidade que mais conta é a de pensamento. Em pouco mais de década e meia, ganhou um Mundial e tornou-se rainha da Europa, com três vitórias em cinco edições de campeonatos continentais de seleções.
Portugal ganhou um Europeu, mas sentimos hoje, oito anos passados, que vivemos um feliz acidente de percurso. A qualidade acrescida do talento disponível não como consequência um rendimento de qualidade constante. Em boa parte porque, mesmo descontando a paixão por árbitros e VAR, quase só discutimos banalidades e preconceitos: se os melhores jogadores são compatíveis, se suficientemente rápidos e físicos, se um clube é mais favorecido que outro e quem mais influencia afinal as convocatórias, a miragem do tempo útil de jogo por caminhos errados. E também porque continuamos maioritariamente - até entre os especialistas - a insistir no prisma individual: se Ronaldo ainda é goleador, Pepe indispensável na liderança, Palhinha único a ocupar espaços, Leão pelo acrescento de velocidade, Conceição a espalhar brasas. Como bem escreve Caneda, valorizamos os jogadores pelo que fazem e não pelo que geram. Daí o sacrilégio de haver recorrentemente quem se desiluda com Bernardo Silva de quinas ao peito. No fundo tomam-no pela individualidade, quando ele é na essência o oposto disso.
Entre a obsessão do individual e os lugares-comuns perde-se o essencial: jogar bem, algo que Portugal não fez, nem a Inglaterra, nem a França. Jogar bem, mesmo com alterações de perfil, que os tempos mudam, vai ser a forma de estar mais perto de ganhar. E a Espanha voltou a prová-lo, eloquentemente."
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