"Nem mesmo a minha crescente antipatia em relação a Roger Schmidt pode validar a reação excessiva de uma minoria
Depois de um jogo de futebol vencido tranquilamente pelo Benfica, jogo esse que jamais permitiria apaziguar o sentimento dos últimos dias ou meses, dei por mim a ver um vídeo de protestos bastante vocais. A coisa circulou rapidamente nas redes sociais e, à hora em que escrevo este texto, já deverá estar num grupo de WhatsApp frequentado pelo leitor. Confesso que a coisa começou por me parecer aceitável, apesar da agressividade.
Não estou satisfeito, como não está nenhum daqueles adeptos. Aqui chegados, a sabedoria popular descreve o nosso presente estado como aquela cegueira que se apodera de uma pessoa, de tal forma que, na posse de todas as faculdades, já não vemos mais nada à frente. De lucidez quase totalmente toldada, revi o vídeo minutos depois em busca de uma confirmação moral da minha irritação com esta época e tive uma desilusão. Lá percebi que eram essencialmente insultos e que o momento incluíra arremesso de objetos. É geralmente neste momento que estes benfiquistas descontentes perdem a solidariedade da maioria dos adeptos.
Nem mesmo a minha crescente antipatia em relação a Roger Schmidt pode validar a reação excessiva de uma minoria. Não me revendo no comportamento, revejo-me no enorme descontentamento. Que Schmidt não aceite manifestações mais violentas, parece-me perfeitamente legítimo. Que se recuse a ver a época pelo enorme falhanço que foi, já é mais difícil de aceitar.
Estamos a chegar ao final de uma época em que falhámos essencialmente todos os objetivos a que nos propusemos. Gastámos muito, em contratações e em salários, demasiado para tão pouco futebol e tão poucas alegrias. Ninguém sabe exatamente o que é o projeto desportivo do Benfica neste momento. Cada título do clube nos últimos cinco anos custou 127 milhões de euros, praticamente o mesmo que o Benfica terá encaixado com a venda de João Félix. Os anos passam e a conclusão é óbvia. Foi-nos prometida uma mudança de paradigma e essa mudança não aconteceu.
Até títulos em contrário, continuamos a ser bastante mais competentes a vender jogadores por 126 milhões do que a utilizar esses mesmos 126 milhões para encher o museu com mais troféus. Algures pelo caminho, parecemos ter esquecido, nuns momentos de forma consciente, noutros por défice de competência, qual é afinal a finalidade de um clube de futebol. Penso que falo pela maioria dos adeptos quando digo que aceito a dimensão económica e financeira da vida do meu clube, mas é uma infeliz coincidência que tanto do nosso destino ao longo destes cinco anos seja mais fácil de encontrar em balancetes do que nas fichas dos jogos disputados.
Ouvi Schmidt disparar contra os adeptos que perderam a cabeça e, não sendo conselheiro sentimental, pareceu-me que esta relação só muito dificilmente, por milagre mesmo, voltará à longínqua lua de mel que vivemos juntos. Perante o ruído ensurdecedor criado em torno de um treinador que há muito não parece feliz na vida e no clube que escolheu, preocupa-me mais o silêncio ensurdecedor. Os meses passam, os maus resultados sucedem-se, a época está essencialmente terminada, e não há uma reação oficial da liderança do clube ao momento que se vive. É muito estranho que assim seja. É estranho porque se exigem esclarecimentos, mas causa estranheza também porque parece haver um desfasamento entre a liderança que se cultiva e a liderança que é necessária. Por muito que a ideologia e o estilo possam comandar o comportamento e a atitude de alguém, os dias que o Benfica vive pedem alguém que se adequa às circunstâncias e exiba coragem e frontalidade, a mesma que pareceu demonstrar nos momentos em que tudo corria de feição.
Lembro-me bem de ver Rui Costa emendar o erro de Roger Schmidt após uma goleada embaraçosa no Estádio do Dragão, pedindo desculpa a todos os Benfiquistas pelos cinco golos sofridos e pela péssima exibição, em relação à qual a postura resignada de Roger Schmidt foi uma espécie de cereja no topo do bolo. Por isso mesmo, apetece-me perguntar: para quando o pedido de desculpas pela nova goleada que sofremos esta época? Não é um resultado qualquer. Foram quatro golos sofridos sem apelo nem agravo. Após mais de 100 milhões de investimento, erros de planeamento desportivo identificados e nunca devidamente corrigidos, decisões do treinador que, por feitio e défice de competência, prejudicaram repetidamente a equipa e poderiam até ser equiparadas a gestão danosa (insistir em Tengstedt e deixar Cabral no banco é disso um exemplo quase perturbador). Após tudo isto, 4-0 para os nossos adversários: derrotados na Liga, eliminados na Taça da Liga, eliminados na Taça de Portugal e mais uma vez pelo caminho numa prova europeia, com a sensação angustiante de que poderíamos e deveríamos ter feito muito mais.
Antes de decisão sobre o treinador, antes da apresentação de ideias e respostas que mostrem que afinal existe algum rumo no projeto desportivo, antes dos esclarecimentos necessários quanto à saúde financeira do clube, e antes de algumas respostas necessárias quanto à cultura democrática do Benfica, antes de tudo isso, comecemos pela pergunta essencial: quando é que alguém pede desculpa pela goleada que nos privou de quatro troféus ao alcance do Benfica?"
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