"Cultura desportiva e devolver os heróis às pessoas, o caminho tem de passar por aí
Os portugueses tornaram-se mestres da propaganda. Não é fenómeno exclusivo do futebol e basta olhar para a impunidade política e social que vigora há décadas para comprová-lo, porém apresenta óbvia expressão no ópio do povo. Vivemos na era da Internet, onde nada do que se diz e faz desaparece e, mesmo assim, pouco importa.
A levitar à volta do campo, clubes e organismos passaram a querer controlar em absoluto não só o acesso como igualmente a informação, disfarçando-se de media, e assim, obrigaram os atletas a expressar-se em redes sociais facilmente hackeáveis por qualquer malandro que os queira pôr em causa. Para o adepto que ainda não o entendeu é simples: acha que o funcionário de um clube perguntará algo que a este comprometa, direta ou indiretamente? Em alguns locais, como Inglaterra, percebeu-se, a tempo, que os futebolistas estavam a tornar-se apenas bidimensionais e que era essencial que comunicassem noutros contextos. Não é a reabertura total, nada disso, mas a constatação de algo fundamental para o produto.
Os treinos, entretanto, fecharam-se mais para prevenir a fuga de notícia de eventuais conflitos ou más reações do que o revelar de estratégias, facilmente dissimuláveis. Não há descontentamento. O ambiente é perfeito, mesmo quando não o é.
No entanto, quando exageram nos briefings antes das conferências e lhes formatam o discurso, esvaziam aqueles que são ou serão no futuro os seus heróis. Grandes nomes como Lucho González, Aimar, Schmeichel, entre tantos outros, passaram por cá e sabemos mais sobre eles pelo que disseram noutros lugares do que aqui. A personalidade chama gente aos estádios e, no limite, ainda vende camisolas. É dinheiro.
Dos emblemas aos organismos, a visão continua tremendamente redutora. Apesar de andar há anos a passar entre os pingos da chuva nas questões fundamentais em Portugal, a Federação ainda assim soube criar condições para consolidar o trabalho da formação e talento para aproveitar mais à frente na seleção principal, o que é na prática o seu sustento direto e indireto. Já os clubes, reunidos na Liga, apenas pensam a curto prazo e em si próprios, contribuindo cada vez mais para o esvaziar de um mealheiro que deveria encher para que um dia pudesse ser partido e dividido por todos.
A visão é estreita. Há muito que se acha que a centralização dos direitos televisivos é a solução para todos os problemas e mais alguns quando não conseguimos sequer ter gente nos estádios, e tudo o que se faz não está centralizado no adepto. Se não nos convencemos a nós, como é que é possível convencer os outros? Se não gostamos do jogo, como queremos assistir a um ao vivo? Se não praticamos desporto como é que gostamos de desporto? Se as nossas escolas não o fomentam por que razão o praticamos? Se os nossos pais não gostam como podemos estar nós predispostos a gostar? O trabalho é profundo, é necessário que alguém esteja disposto a fazê-lo, mesmo que os louros possam não vir a ser colhidos no seu tempo.
A propaganda faz milagres, mas o verdadeiro espírito de missão não está em apenas aparecer bem na fotografia. É preciso trabalho. Em Portugal, o presidente da Federação aspira à UEFA e o presidente da Liga aspira à Federação para poder depois aspirar à UEFA. Ou parecido. Tal como um primeiro-ministro olha para a Europa como reforma dourada. Se isto foi o seu melhor então que vão, mas devem ser as aspirações pessoais a direcioná-los quando ocupam cargos desta importância?
Pensar o produto é muito mais do que um powerpoint e ideias La Palisse. No fundo de tudo, depois de removermos todas as camadas, está a falta de cultura desportiva. Quando a conseguirmos fomentar tudo será mais fácil. Até mesmo devolver os heróis às pessoas."
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