"Árbitros também têm pai, mãe, irmãos, primos, tios, avós, amigos, namoradas...
Ontem tive oportunidade de partilhar publicamente um desabafo do pai de um jovem árbitro, acerca dos comportamentos que testemunhou num jogo de meninos arbitrado pelo seu filho.
Foi importante o que me contou, não que não o soubesse (longe disso), mas porque permite-me regressar a uma perspetiva que poucos conhecem mas que é real e acontece todos os fins de semana, um pouco por todo o lado. É que, para quem não sabe, os árbitros(as) também têm pai, mãe e irmãos, têm primos, tios e avós, têm amigos, colegas e namoradas(os) e muitas vezes eles estão lá, em cada sintético, pavilhão ou relvado, a apoiá-los, a torcer por eles, a dar-lhes a força que precisam e merecem no desempenho de atividade tão desafiante.
E muitas vezes aí e só aí é que têm noção do que eles são obrigados a ouvir e a engolir do primeiro ao último minuto de jogo.
Antes de passarem por essa experiência se calhar faziam inconscientemente o que a maioria das pessoas faz: desvalorizavam, não davam muita importância às estórias que ouviam e achavam que tudo aquilo fazia parte de uma forma castiça e latina de ser e de estar no desporto.
Mas em relação aos árbitros mais jovens, quase sempre pouco mais velhos do que os meninos e meninas que arbitram, há um facto que não pode ser descurado: a necessidade de proteger a sua integridade física e a sua saúde emocional e mental. É que a maioria não tem maturidade para lidar com as barbaridades que adultos com a idade dos seus pais (e avós) disparam na sua direção. E é nisso que devemos focar-nos. Se agredir um agente desportivo será sempre o expoente máximo da loucura, a linha vermelha que nunca deve ser ultrapassada, coagir miúdos desta forma é igualmente desumano. É que também eles estão no processo formativo, a aprender com a competição e a crescer através de erro e acerto. Não é possível evoluir de outra forma.
Todos sabemos o que leva gente assim a ser assim. Também sabemos que isso acontece desde sempre e não apenas aqui nem apenas no futebol. Mas essa constatação, a de que a vilania está normalizada, não nos pode impedir de tentar combatê-la.
Estes jovens não merecem sofrer a ira desnorteada de gente que não sabe estar no desporto, mesmo que isso seja culpa de uma infância perturbada, de uma vida cheia de problemas ou de desajustes culturais difíceis de ultrapassar.
É preciso criar condições para que, passo a passo, pessoas deste calibre sejam impedidas de participar ou assistir a espetáculos desportivos. Com ou sem culpas diretas, são nocivas, perigosas e não merecem estar no mesmo sítio onde há gente boa que só quer jogar, arbitrar ou treinar sem ameaças, ofensas ou pedradas.
A responsabilidade maior caberá sempre a quem tem legitimidade orgânica, mas todos os outros intervenientes têm também um papel fundamental a desempenhar: os clubes (impedindo o acesso desses energúmenos aos seus treinos e jogos), os árbitros (apresentando queixa-crime e levando todos os casos criminosos às últimas consequências), as autoridades policiais (intervindo sempre que exista flagrante delito e fazendo tudo o que está ao seu alcance, o que nem sempre acontece) e até os muitos bons adeptos que existem (condenando comportamentos que testemunhem e exigindo respeito e educação ao seu lado).
É longo, muito longo, o caminho a percorrer nesta matéria, mas não fazer nada nunca pode ser opção."
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