"O treinador português, regra geral, é de uma classe à parte. É o único que já possui o ‘FIFA PRO’ na arte de contestar
Há diversas profissões que eu nunca escolheria. Professor do 1.º ciclo, cozinheiro de restaurante com estrelas Michelin e, acima de todas, treinador de futebol. É interessante ensinar crianças a ler e escrever, é interessante servir meia folha de alface, um quarto de ervilha, um ovo de codorniz e uma fatia finíssima de maça em cima de um prato com um metro de diâmetro, mas não consigo encontrar nada de verdadeiramente interessante, a não ser o eventual lado financeiro, em estar sentado num banco a dar indicações que ninguém ouve para dentro de um relvado. Ainda por cima, se quisermos chegar ao topo da carreira, temos de ter o curso de nível I, nível II, nível II e nível IV, o chamado UEFA PRO. Quando chegarmos ao UEFA PRO já as criancinhas dos professores do 1.º ciclo saberão ler, escrever, resolver equações de todos os graus e mais algum e até talvez dar uns toques em física quântica.
É por isso que prefiro ser (quase) tudo menos treinador de futebol. A única pessoa de quem os treinadores não ouvirão insultos será (em princípio) deles próprios. De resto, toda a gente contesta e insulta os pobres (salvo seja, no caso de Mourinho, por exemplo) treinadores: acima de todos, os adeptos; depois, os presidentes; finalmente, jogadores (sobretudo das suas ex-equipas), árbitros, jornalistas, comentadores, instagrammers, facebookers e twiteiros (não já jeito escrever xzeiros). Acredito que, se houvesse um concurso entre árbitros e treinadores para decidir quem ouvia mais insultos, seria quase um empate técnico.
Há ainda um problema central o coração. Entre o minuto 0 e o minuto 45 de cada jogo os corações dos misteres devem pulsar a bem mais de 130 batimentos por minuto. Depois, no intervalo, baixarão para os 100. Depois, voltarão a subir para os 130 e no caso de Sérgio Conceição, nomeadamente entre o minuto 90 e o minuto 90+20, para os 150/160. Deve ser por isso, aliás, que o treinador do FC Porto faz aquela rodinha no final dos jogos. Para o coração descansar. O dele e o de Luís Gonçalves.
Já vimos de tudo entre treinadores. Cambalhotas no relvado após um golo marcado, cenas de quase pugilato, dedos nos olhos de treinadores adversários, empurrões a árbitros e a tudo o que possa mexer-se. Há, porém, o UEFA PRO PRO, uma espécie de FIFA PRO para os treinadores guerreiros. Podemos falar de treinadores espanhóis, italianos, franceses, ingleses ou alemães, por exemplo, mas o treinador português, regra geral, é de uma classe à parte. São os únicos que já possuem o FIFA PRO na arte de contestar. Abel Ferreira, Bruno Lage, Renato Paiva, Vítor Pereira, Luís Castro, Sá Pinto, José Mourinho, Marco Silva, Jorge Jesus, Sérgio Conceição, José Mota ou Moreno, por exemplo, não só têm o FIFA PRO como são seus palestrantes. É por isto que nunca optaria por ser treinador de futebol. Preferiria, apesar de tudo, ser professor do 1.º Ciclo ou cozinheiro num restaurante com meia estrela Michelin. Deve ser bem complicado estar hora e meia com o coração a mil e depois ainda ter de falar, o mais serenamente possível, com jornalistas. Haja coração que aguente tanto batimento!"
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