"Para escapar à Gestapo, viveu num sótão; Treinador de Exilados Políticos, o FC Porto descobriu-o em São Paulo
1. Após jogar pela Hungria os Jogos Olímpicos de 1924, deixou Budapeste - para fugir ao «Terror Branco» que misturava o ataque a comunistas e judeus. Foi para o Hakoah de Viena, clube de judeus que era mais do que clube desportivo. Numa digressão pelos Estados Unidos deslumbraram-se com ele, no NY Hakoah ficou. Não, não foi só jogador de futebol, também foi professor de dança e accionista de um clube clandestino de bebidas que florescera durante a Lei Seca.
2. Foi ainda jogador de cartas e casinos - e ele próprio o revelou: «Enriqueci, mas, na Sexta-Feira Negra de 1929, perdi mais de 55 mil dólares, fiquei pobre como Job. Tive, assim, de voltar a ganhar dinheiro no futebol». Quando percebeu que na América já pouco podia ganhar, saltou a Viena a oferecer-se ao Hakoah para jogador - e não tardou que ficasse seu treinador.
3. Tendo Hitler avançado para Viena, Lipot Aschner, industrial que era judeu como ele, desafiou-o para o seu Ujpest. Ganhou a Taça Mitropa de 1939, então a mais importante competição de clubes da Europa - e ainda a festejar a façanha, por via da «lei anti-judaica» que o governo da Hungria lançara (a exemplo de Hitler), afastaram-no de treinador do Ujpest.
4. Quando nazis tomaram Budapeste viveu escondido no sótão do salão de cabeleireiro do irmão da namorada (que não era judia) - e com a guerra a correr para o fim ainda o atiraram para campo de trabalhos forçados, de lá conseguiu, porém, fugir, rocambolesco, salvando-se assim de Auschwitz (onde lhe morreram alguns familiares).
5. Após a rendição da Alemanha, o Vasas chamou-o a seu treinador. Face à escassez de alimentos, pediu que lhe pagassem então metade do salário em batatas, farinha, banha, açucar, carne, peixe, frutas e vegetais, que era o negócio de um dos seus dirigentes. Pouco tempo lá esteve, foi para clube judeu de Bucareste, o Ciocanul. Pista Kaufmann, que o levara, revelou-o: «Antes de Mister G, a única coisa que os jogadores sabiam sobre bola era que era redonda, ele transformou 11 pés de chumbo na equipa de futebol mais bonita de toda a Roménia».
6. O Ujpest contratou-o de novo, ganhou campeonato de 1947. Mudou-se para o Kispest. Por causa de uma substituição, desentendeu-se com a sua estrela: Puskas - e deixou o clube após jogo em Gyor, não querendo, sequer, regressar no seu autocarro. Saltou para Itália, para o AC Milan. Pondo-o a caminho do título de 1955-1956, exigiu mais dinheiro, embora o mandaram, magoado afirmou-o: «Não sendo nem criminoso, nem maricas, fui demitido, demitido apesar de sair com o clube certamente campeão».
7. Ao saberem da invasão soviética a Budapeste, quase todos os jogadores do Honved, que tinham jogado com o Bilbau (que antes eliminara o FC Porto) na Taça dos Campeões, recusaram regressar à Hungria - e foi dele a ideia: «Se a FIFA não vos deixa jogar por não voltarem, arranjem então dinheiro para viverem, em digressões pelo Mundo».
8. Apesar de o treinador do Honved ser Jeno Kalmar (que haveria de passar pelo FC Porto) Puskas sugeriu-o para treinador dos Exilados - e com o primeiro dinheiro que arranjaram tiraram as famílias da Hungria a salto, através de contrabandistas.
9. Em 1957, a «Equipa dos Refugiados Políticos da Hungria» (assim lhe chamaram) disputou cinco jogos no Brasil e, contagiado pela sua magia, Laudo Natel propôs-lhe ficar como treinador do São Paulo FC. Ficou e foi campeão uma vez mais. Era normal nele: campeão, exigiu aumento de ordenado, o São Paulo achou muito o que exigiu, foi-se embora. O FC Porto foi lá buscá-lo já com o campeonato de 1958-1959 em andamento para o lugar de Otto Bumbel. O seu primeiro jogo nas Antas foi contra o Benfica, acabou empatado. Na jornada seguinte, perdeu no Restelo (num golo de Matateu) e ao vê-lo entrar sorridente no balneário o presidente portista, intrigou-se: «Mas está contente com quê, o senhor?» Abrindo ainda mais o sorriso, exclamou-lhe: «Porque já sei quem tenho de tirar da equipa para sermos campeões». A vítima era uma estrela - foi o «envelhecido» Pedroto. E com Luís Roberto no seu lugar, ganhou mesmo o campeonato, o tal que pôs Calabote na história. Logo depois o Benfica levou-o para a Luz, duas Taças dos Campeões (e mais) lhe deu..."
António Simões, in A Bola
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