"Todos percebem o que é claro e está à vista. Ninguém percebe o oposto
Regra geral, no arranque dos campeonatos os árbitros recebem novas indicações. Essas recomendações, que ocorrem em todos os países, são pertinentes e bem intencionadas. Umas vezes, a ideia é corrigir algum tido de situações sinalizadas como incorrectas. Outras, é acompanhar boas práticas internacionais. Por vezes, o objectivo é apenas afinar critérios. É e foi assim desde sempre.
Suponhamos, por exemplo, que se tinha detectado que os árbitros lidavam com protestos de forma muito suave. Na época seguinte, a recomendação expectável seria para que tivessem mais pulso, outra firmeza disciplinar. O exemplo entende-se a todas as outras situações tipificadas como mal geridas: simulações, perdas de tempo, uso dos cotovelos, excesso de amarelos, entradas violentas, etc.
Compreensível e natural. Mas o reverso da medalha deste tipo de acções é que muitas vezes cria nos árbitros uma espécie de mudança de chip sazonal. Na prática, ano após ano muda a abordagem num ou noutro aspecto de jogo.
Essa alteração táctica leva, por vezes, a mudanças que o futebol não percebe: por exemplo, se os árbitros exibiram muitos amarelos vão agora esforçar-se para baixar esse registo mas nos mesmos incidentes que antes penalizaram. Ninguém percebe. Se alguns lances forem considerados mal analisados (entradas, agarrões, tacles, empurrões, etc.) passarão a ser apreciados de forma distinta em relação a anos anteriores, mas os incidentes são os mesmos. A lei não mudou. Ninguém percebe. E embora tenham sido dadas indicações oportunas para clubes e imprensa, o povo não sabe.
É inevitável que essa colisão resulte em várias incongruências. A primeira é que há adeptos com memória selectiva, que vão sempre comparar lances idênticos com análises diferentes. A segunda é que sempre que essas recomendações sugerirem maior amplitude disciplinar, os adeptos só vão aplaudir até ao momento em que o jogador adversários não vir o segundo amarelo ou vermelho directo. A terceira é que no caso de se recomendar maior tolerância disciplinar, o próprio árbitro ficará refém dessa estratégia, acabando forçosamente por afunilar o critério. Isso porque na recta final do jogo, os jogadores (com menos oxigénio no cérebro e mais fadiga nas pernas) tendem a cometer mais erros. E é aí que saem cartões que não saíram antes por motivos semelhantes. O apelo que aqui deixo é a sensatez. É importante que os árbitros encontrem a calibragem perfeita para aplicarem as indicações que recebem sem desvirtuarem a sua forma habitual de actuar. Esse equilíbrio é possível se estiverem cientes de que o futebol deve ser aquilo que se espera que seja. Simples. Perceptível. Claro.
Por vezes, a melhor estratégia é descomplicar: aviso para aqui, falta para ali, amarelo para acolá. Ponto.
Todos percebem o que é claro e está à vista. Ninguém percebe o oposto."
Duarte Gomes, in A Bola
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