"Nesta época, as coisas frente ao Nápoles, na Liga dos Campeões, não correram muito bem para o Benfica. Mas recordemos uma vitória bonita, por 2-0, com golos de Reyes e Nuno Gomes.
A atitude foi firme, aberta. A noite caiu fria sobre a cidade. E tinha sido um dia quente, no entanto. Caiu fria também sobre o estádio e sobre o público sempre mais pronto para os assobios do que para os aplausos, que se deixou levar pelo jogo embirrento dos napolitanos, pela táctica do confronto e da guerrilha. Sabia-se que assim seria. Os italianos não enganam. E os napolitanos, muito menos.
Poderia ter havido mais gente nas bancadas da Luz.
Era mesmo de esperar que houvesse mais gente ainda nas bancadas da Luz.
O estádio estava quase cheio. Mas não quase, quase. Apenas quase...
Talvez já não haja multidões como antigamente no futebol de Portugal. Houve tempos em que estariam 80, 90, 100 mil pessoas na Luz na esperança de ver o Benfica eliminar o Nápoles. Mas na Luz também já não cabem 100, nem 90, nem mesmo 80 mil...
Seja. Havia esse cheirinho nostálgico às noites europeias de antigamente, mesmo que as noites europeias do antigamente fossem à quarta e não à quinta. E muito menos à terça, como agora acontece com frequência.
E o Benfica teve um início de jogo claro, insinuante.
Percebia-se a necessidade do golo cedo. A equipa corria riscos e, quando assim é, há que obter rápido retorno desse risco. E o Benfica atacou. E foi atacando sempre.
Do meio-campo para a frente, toda a gente atacava.
Yebda ia mais; Katsoranis ficava mais.
Da defesa, também Jorge Ribeiro atacava. Maxi Pereira ficava lá, do seu lado direito, quase quieto.
Di Maria a fazer dupla com Nuno Gomes, mas sempre um a medir o seu espaço pelo outro, ora ficando, ora avançando, o segundo mais primeiro, se começarmos a medir o campo pela baliza napolitana, mas procurando deixar, volta e meia, um buraco por onde pudesse entrar o primeiro, Di Maria neste caso.
O Nápoles fechava-se. Da cidade de Nápoles não tinha baía, só o castelo.
Quando aos três centrais bem definidos se juntarem os laterais e os dois trincos, formava uma fortaleza rochosa como a ilha de Capri.
Rocha dura, que não hesita na falta.
Fortaleza alta que é preciso minar pelo chão.
Percebe-se que há maldade no ataque napolitano. Não força directamente, não dispara. É como o assassino que se disfarça na sombra, se camufla na esquina: traz consigo a navalha e a rapidez do golpe. Ele sabe que um golpe certeiro, à traição, pode degolar a águia, cortar-lhe a jugular do entusiasmo.
Mas os napolitanos trazem também consigo a manha da discussão, da confusão organizada ou desorganizada a seu bel-prazer, da distracção do adversário.
Parece correr tudo pelo melhor, mas falta qualquer coisa. O quê?
Não. Não é ainda o golo. Claro que falta o golo, não é isso que quero dizer. Falta o golo, mas sobra o tempo. Não é ainda preciso que chegue já, já, embora desse jeito.
Mas o que falta, então?
É aqui que respondo: falta fazê-lo sentir medo, muito medo. Até agora não passou de receio, de atenção, de cuidado. O Nápoles está lá atrás, submisso, humilde, mas apenas preocupação.
E nessa estratégia deve caber também a certeza de que as águias se cansarão de voar por ali, em círculos, círculos esses cada vez mais largos, mais distantes da baliza de Gianello, e que esse cansaço trará consigo a quebra, a desistência, o momento.
Havia motivos para acreditar na estratégia do rochedo. E o brilho da navalha assustava a águia.
O voo tornou-se incerto. Mais distante da grande área italiano, menos agressivo, mais confuso.
O Nápoles ganhou confiança. Sentiu finalmente que havia, naquele grupo de homens vestidos de encarnado, fragilidades a explorar.
E, subitamente o golpe de asa: a força de Sidnei no meio-campo, ganhando uma bola insuspeita, o passe de Katsoranis para o espaço na frente de Reyes, o galope e o remate fortíssimo do espanhol.
O Estádio da Luz ficou vermelho em flor!
Um vulcão de gente que grita, cuspindo um fogo encarnado.
Mas os homens de Nápoles estão habituados a vulcões: vivem paredes meias com o Vesvúvio.
O jogo está vivo, alegre.
Di Maria tem um desplante: julgou-se Maradona e foi Maradona em tudo menos no golo que ficou preso nas mãos de Gianello.
Percebe-se que o momento é solene. O Benfica tem de matar o jogo e o adversário. É a hora! A hora de ser equipa forte e decisiva.
Soube sê-lo. Com classe. Com autoridade. E com a esperteza de um treinador atento.
Substituições bem feitas.
Com Carlos Martins ganhou clarividência. Foi dele o passe para a cabeçada tranquila de Nuno Gomes. Desenhada a preceito. Porque o Nuno é assim: nada nele é à bruta.
Há a festa e a alegria.
Afinal o estádio estava cheio. Completamente cheio. Eu é que não tinha visto bem..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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