"Sou do tempo em que Portugal disputava fases de qualificação para Europeus e Mundiais e, no final de cada mini-torneio, ficava a ver os mais cotados pela televisão. Foi assim na Argentina e em Espanha. A exceção do México, após a genialidade do pontapé de Carlos Manuel, em Estugarda, demonstrou à evidência o quão pouco preparada estava a estrutura da FPF para se abalançar a cometimentos de grande vulto. Saltillo fez saltar a tampa e perceber-se as insuficiências organizacionais do organismo, então, da Praça da Alegria.
Itália e Estados Unidos (em 1990 e 1994), voltaram a colocar à evidência as dificuldades de apuramento para uma grande competição internacional, tal como França, quatro anos volvidos.
Não me esqueci do Euro-84, mas ele correspondeu a uma genial geração de jogadores, para os quais, em cada problema, parecia estar uma solução milagrosa, ao ponto de Portugal quase ter atingido a final de uma competição que, em boa verdade, podia até ter ganho.
Por isso, convém não ter memória curta e perceber que a habituação das novas gerações à constante presença em fases derradeiras das principais competições surge com a viragem do século, a partir do Euro-96, em Inglaterra, e do Mundial-2002, na Coreia do Sul e no Japão.
Portugal foi ganhando músculo. E isso tem a ver, claro, com a qualidade crescente dos jogadores, com a sua dimensão internacional, refletida nas sucessivas contratações por emblemas de topo do futebol internacional, pela experiência adquirida em campeonatos verdadeiramente competitivos e aliciantes, pela evolução das estruturas de apoio, pela profissionalização da Federação Portuguesa de Futebol, pela capacidade crescente de atração de valor para o negócio e para o espetáculo.
Só no século XXI, em boa verdade, é que o edifício do futebol português, no seu topo, se tornou forte, temido, brilhante em determinados momentos e, sobretudo, consequente e consistente nas suas propostas e desafios competitivos.
Por isso, é quase uma obrigação circunstancial o recorrente apuramento para as fases finais de Europeus e Mundiais, por força de um ranking notável e de um conjunto (vasto) de jogadores de alto nível à disposição dos sucessivos selecionadores nacionais.
Ademais, com o aumento para 48 do número de seleções presentes em fases finais de Mundiais, efetivo a partir de 2026, é quase obrigatório considerar-se o percurso de qualificação como mero pro forma.
Porém — e é aqui mesmo que quero chegar —, posições privilegiadas não ganham jogos, perspetivas não marcam golos, hipóteses não conseguem pontos. É preciso trabalhar, porfiar, encontrar pontos de equilíbrio entre coração e razão, projetar com rigor tudo o que é controlável no ecossistema competitivo internacional, ter a noção e o talento de perceber espaço e tempo de desenvolvimento e de aplicação de novas estratégias e modelos, que, por um lado, aproveitem o inato formalmente reconhecido talento da geração atual, mas surpreendam tendências e adversários.
Continuar a ganhar é muito mais difícil do que começar a ganhar.
E importa, neste passo da nossa conversa semanal, recordar que Roberto Martínez, o espanhol de Balaguer que se esforçou por aprender rapidamente a língua portuguesa e por entoar as estrofes de Alfredo Keil, conseguiu o quase impensável: um apuramento imaculado para o Euro-2024, apenas com vitórias, mas também com convicções.
Se olharmos bem (coisa que compete ao jornalista, e talvez não compita tanto aos adeptos), a sustentabilidade do projeto protagonizado por Martínez e pela sua equipa técnica mede-se na exata e direta proporção da capacidade revelada para se adaptar, para compreender a idiossincrasia muito própria do português, na sua íntima relação com o futebol, e por, no limite, apresentar resultados compatíveis com a dimensão da empreitada que (ele sabia-o), iria encontrar em Portugal.
Sejamos justos: Martínez tem sido brilhante na maioria dos dias, das opções, dos diálogos, da sensatez e do acompanhamento que faz de uma Seleção à qual, em rigor, só é preciso dar um bocadinho de gás.
Vi Roberto conquistar, em Wembley, uma Taça de Inglaterra, ganhando com o modesto Wigan Athletic a final de 2013, por 1-0, ao Manchester City. Vi-o chegar à Bélgica e conseguir um inédito terceiro lugar com os diabos vermelhos no Mundial de 2018, na Rússia, mantendo, depois, a seleção belga a um nível muito elevado.
Com Portugal, ninguém poderá, com bom senso e ponderação, questionar a qualidade final (entenda-se, resultados obtidos) da colaboração de Martínez com a FPF. O Euro da Alemanha não correu mal, se formos equidistantes e frios na análise de todos os aspetos que concorrem para o sucesso de uma campanha, e a vitória na Liga das Nações sublinhou a excelência da geração disponível mas, também, da qualidade da equipa técnica que a orienta e motiva.
Roberto Martínez, está na altura de te elogiar. Trato-te por tu porque esse, felizmente, é o mais familiar tratamento na tua língua materna. Olhar, perceber, integrar, desenvolver, não estragar, ganhar. Tem sido assim a tua carreira em Portugal. A memória não pode ser curta. E o teu sorriso em Wembley, há doze anos, é o mesmo que permite agora a Portugal poder sonhar. Afinal, o Mundo é já ali.
Cartão branco
Cobri pela primeira vez um Mundial de hóquei em patins em 1989, em San Juan, na Argentina. Voltei a fazê-lo oito anos mais tarde, na cidade alemã de Wuppertal.
Modalidade sempre querida dos portugueses, desde o cinco mágico (Ramalhete, Sobrinho, Rendeiro, Chana e Livramento). Talvez tenha parado um pouco no tempo, e a evolução bem recente nas regras do jogo pode ser alavanca para um renascimento.
A conquista do 22.º título de campeão da Europa representa esforço, dedicação, empenho. O jogo está talvez mais equilibrado, e a França é o mais acabado exemplo de evolução.
Fica o reparo: o modelo competitivo é caricato. Aí, o selecionador (português) de França tem razão: Portugal ganhou dois jogos nos 50 minutos, perdeu três e empatou um. Pode ser campeão da Europa? Pode, porque esse é o regulamento. Porém, como tudo na vida, é questionável e, quem sabe, alterável."

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