"É tão aliciante, no papel e nas ideias, como traiçoeira, cheia de alçapões e de armadilhas, com curvas sinuosas e percursos plenos de nevoeiro.
A carreira de treinador, seja em que modalidade for, mas sobretudo no futebol de alto rendimento, aporta riscos e torna-se tanto mais compensadora quanto, aos fatores inatos de cada um dos profissionais, se aliarem elementos externos aleatórios, tantas vezes injustos, tantas vezes geradores de imagens pouco consistentes com a personalidade de cada profissional.
Mas é aliciante, sim. Transporta-nos para um mundo em que tudo se altera num segundo, na bola que bate na barra e não entra, no pontapé falhado ou na defesa pouco segura. Sendo hoje uma das profissões muito bem pagas no planeta futebol, representa uma conjugação de circunstâncias que, muitas vezes, fogem ao controlo dos profissionais da área.
Se é verdade que, nos dias de hoje, as equipas técnicas são multidisciplinares, compostas por gente de imensa qualidade em áreas tão distintas como a ciência do treino, a fisioterapia, a nutrição, a psicologia ou o mercado, dotando os chefes de equipa de todos os dados possíveis para a decisão final, em cada microciclo de treino, em cada movimento de contratação ou em cada momento de jogo, não é menos certo que é ao treinador principal que compete o risco, a responsabilidade máxima e as consequências mediatas e imediatas das suas tomadas de posição.
E o seu futuro, em cada cidade, clube ou projeto, está diretamente dependente do tipo de atitude e de postura das administrações com quem trabalha. Não é difícil concluir que, na Europa latina, o tempo e o momento são fatores muito distintos, na análise e na consistência, em relação ao modus operandi anglo-saxónico ou escandinavo.
Olhando para o exemplo das ligas inglesa e alemã, duas das mais (ou mesmo as mais…) competitivas e bem organizadas do mundo do futebol, o espaço e o tempo para os projetos e a respetiva implementação são respeitados e tidos pelas organizações como essenciais e parte integrante do potencial sucesso.
Não é possível construir uma equipa em dois, três ou quatro meses. O imediatismo resultadista das administrações latinas não se compagina com o sucesso estruturado e pensado dos emblemas do norte da Europa. São abordagens diferentes, que têm muito a ver com a idiossincrasia dos povos e com a demanda dos adeptos. A impaciência de um grego, turco ou português, não ajuda os dirigentes, mas também não é a melhor amiga dos técnicos.
Em Inglaterra, David Moyes esteve onze anos à frente do Everton, e Eddie Howe, antes do notável trabalho que está a desempenhar no Newcastle, passou igualmente onze anos no Bournemouth. Marco Silva, na quarta temporada ao serviço do Fulham, encontrou uma Administração disposta a tornar o projeto desportivo cada vez mais consistente, encontrando o equilíbrio exato no reforço das estruturas físicas de Craven Cottage, entre o mítico centenário da construção do estádio à beira do Tamisa, e a modernização possível com uma nova e confortável bancada central.
No Arsenal, Mikel Arteta tem, pé ante pé, projetado uma equipa em crescendo, com dois segundos lugares nas últimas temporadas e uma recorrente candidatura ao título. A paciente auréola do basco e o comportamento sólido da sua estrutura fazem dos gunners um dos mais bem sucedidos projetos desta década, quase benchmark para a concorrência.
Não fora a raiz latina (grega…) do proprietário do Nottingham Forest, que ferve em pouca água e tem uma matriz de comportamento dona disto tudo, e Nuno Espírito Santo estaria, no City Ground, com caminho aberto para fazer retornar, de modo consistente e permanente, os Garibaldi à luta por lugares de destaque no futebol inglês, como já sucedeu no final da década de setenta do século passado (duas vezes campeão europeu, o grande Forest desse tempo).
Por estes exemplos percebemos facilmente que o tempo é um fator essencial ao trabalho de um treinador, e que é justamente esse elemento que, tantas vezes, falha e faz desmoronar todas as expetativas em relação à contratação de um responsável técnico. O caso de Ruben Amorim é o paradigma de uma situação entre estas realidades: por um lado, é certo que o treinador português vem da primeira pré-temporada em que, efetivamente, pôde moldar e remodelar o grupo de jogadores à sua disposição, purgando o balneário e blindando-o, aspecto tão determinante para o sucesso e tantas vezes, por não cumprido, motivo de insucesso…
Mas Ruben tem muito mais em que pensar do que apenas em treinar. Até por força da estruturação dos clubes ingleses e da particularidade do seu funcionamento, o manager (como tanto gostava José Mourinho no United, no Chelsea ou no Tottenham), é um gestor de topo, com visão transversal sobre todos os aspetos da vida do clube e das equipas principal e de formação, e com palavra a dizer, opinião a dar e decisão a tomar em cada momento, em cada segmento, em cada elemento que contribua para o sucesso.
Aqui chegados, surge a pergunta: o que é, afinal, o sucesso, na vida de um treinador profissional de futebol? Serão apenas os resultados do fim de semana, os golos que se marcam e os que não se consentem? Ou será a implementação de uma ideia de jogo, de um sistema, a capacidade de adaptação e adequação às realidades de cada emblema e de cada país, aos seus sortilégios?
É preferível apostar no risco de uma pressão mediática forte e na necessidade de vitórias no imediato, ou na conjugação de fatores de todo o ecossistema ao seu serviço para projetar jogadores, criar empatias e demonstrar pensamento construtivo de médio e de longo prazo?
Vale a pena pensar nisto, colocar cada peça do puzzle no seu lugar. Analisar, enquadrar. E só depois criticar.
Cartão branco
Excecional o início de caminhada da seleção de Portugal no Euro Basket. Se, há alguns anos, nos dissessem que, no Basquetebol (como no Andebol…), o país mediria forças com as principais potências europeias e mundiais, não evitaríamos um sorriso terno. Agora, ainda que Neemias Queta ajude, há um trabalho profundo de construção de uma dinâmica de qualidade. Os resultados, normalmente, aparecem quando as bases são sólidas. É o que Mário Gomes e a sua equipa têm feito, tal como Paulo Jorge Pereira e a respetiva entourage potenciam os resultados do andebol. Portugal a trabalhar como deve ser."

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