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terça-feira, 19 de agosto de 2025

Está aí o tempo das grandes decisões


"A bola do futebol português está nas mãos dos clubes. Mas se estes não pretendem que a bola se transforme em bomba de hidrogénio, deverão ter a coragem de tomar as medidas impopulares que podem ainda salvar a situação. Ou então, ficam simplesmente à espera da implosão...

Em frente a Manaus, na Amazónia brasileira, confluem dois rios, o Negro e o Sulimões, que correm juntos durante 12 quilómetros sem que as suas águas se misturem, por possuírem temperaturas, densidades e velocidades diferentes. No futebol profissional português, vive-se um fenómeno semelhante, onde, por um lado correm os clubes, confortáveis na disparidade e felizes na desigualdade em que vivem; por outro, a Liga Portugal, que tem poucos meios para implementar uma indústria do futebol que medre através do equilíbrio, da competitividade e da requalificação do espetáculo, destinado a nivelar-se por baixo. Clubes e Liga seguem o mesmo curso, mas as suas águas não se misturam: quem devia prosseguir um objetivo comum, prefere viver num apartheid tácito, anacrónico, ultrapassado e destinado a um fracasso traduzido no afastamento das melhores Ligas europeias.
Porém, aproximam-se tempos de grandes decisões, estruturais e estruturantes, que determinarão o local onde desaguará este encontro das águas à portuguesa.
Foquemo-nos, para já, na venda centralizada dos direitos televisivos, que deverá entrar em vigor em 2028. A Liga Portugal já entregou ao Governo uma proposta para operacionalizar o processo, que enferma, todavia, de um pecado original, insanável: dela não constam nem os valores globalmente previstos, nem a forma da sua distribuição pelos clubes. Vale apenas como um manifesto de (boas) intenções, sem densidade nem substância, que passa ao lado do que realmente interessa. A venda centralizada em 2028 vai gerar o aumento de receitas previsto no estudo inicial, ou não, atendendo à escassa fiabilidade dos dados, e à revisão em baixa que tem sido feita do valor do produto televisivo futebol, em toda a Europa? Será, então possível, que, depois da centralização, nenhum clube passe a receber menos do que atualmente aufere? E como chegar a uma fórmula que agrade a gregos e troianos, que deve estabelecer um ‘ratio’ entre as performances televisivas e as audiências geradas pelos jogos? É por tudo isto que continuo cético quanto ao sucesso desta empreitada, independentemente da legislação em vigor, que a qualquer momento pode ser alterada, ou mesmo revogada.
Mas além da centralização, e diretamente indexada ao seu sucesso, há a questão de tornar apetecível, aos mercados internacionais, os jogos da Liga, algo que hoje em dia apenas residualmente sucede. Como fazê-lo, sem medidas firmes, que criem condições para um aumento do nível competitivo, implementáveis num futuro próximo? Será impossível, sem um reformismo muito acelerado, produzir efeitos positivos em tempo útil.
É mais do que tempo de cada um assumir as suas responsabilidades e e chegar-se à frente de acordo com o peso que tem na sociedade, sendo locomotiva e não carruagem deste comboio que corre riscos de descarrilamento. Se preferirem continuar a desperdiçar capital e prestígio em guerras de alecrim e manjerona, que acicatam ânimos, promovem divisões e só servem para alimentar egos, ficarão para a história como aqueles que contrataram os derradeiros músicos para a orquestra do Titanic."

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