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sexta-feira, 16 de maio de 2025

O Sporting pavloviano, o Benfica de Freud


"Permitam-me pegar no elefante com jeitinho e arrumá-lo a um canto deste texto.
Todos sabemos, pelo menos os não lunáticos, que a Liga 24/25 estava decidida a entregar-se aos braços de Ruben Amorim & Ca.
A relação seguia os cânones do ritual de acasalamento. Piscadela de olho de um lado, beijinho assolapado do outro, o Sporting a viver feliz e realizado.
11 jornadas de campeonato, 11 vitórias, o futebol mais belo, mais convincente, mais automatizado.
Ah, e Viktor Gyokeres, claro. O viking inclemente.
De Manchester, porém, chegou a carta envenenada. Atraiçoou o casal de pombinhos, pegou em Amorim ao colo - libertando a Liga desse compromisso para a vida - e cravou um ponto de interrogação em todos nós.
Sem Ruben Amorim, o Sporting vulgarizou-se. Consequências de um coração partido, naturalíssimas, e mal apaziguadas por um treinador imberbe e impreparado.
Do outro lado da Segunda Circular, outro dos proponentes libertara-se de um empecilho alemão e voltara a sorrir, mais por obrigação institucional do que pela ferocidade do seu futebol.
Seja como for, Bruno Lage teve o mérito de reparar avarias perigosas e recolocar a carruagem do Benfica em cima de quatro rodas.
Saiu o verdinho Pereira dos leões, saiu também mais a Norte o contestadíssimo Vítor Bruno e saiu numa noite fria de Rio Maior a carta de alforria a Lage.
Já com Rui Borges, os leões passaram a ser um andróide pavloviano. Explico-me. Num campo minado por lesões que mais pareciam bruxaria, o autómato de Borges passou a funcionar por impulsos. Mas a funcionar.
Não eram os cãezinhos de Pavlov, mas juraria ter visto baba, dentes arreganhados e um ar esfaimado. Fui ver, era o Gyokeres.
Sinal de alerta acionado, bola na profundidade, sprint de Viktor, o Sporting a renascer. Assim foi durante quase toda a segunda volta, em aparições globalmente mais organizadas do que espetaculares, mais pragmáticas do que romantizadas.
Esses tempos, de profundo amor pela bola, sumiram-se com a ida de Amorim para Old Trafford. O recente 1-1 na Luz, meritório, é a mais recente prova dessa cambiante no modo de vida leonino.
Se em Alvalade a teoria tinha muito de pavloviana, na Luz passei a detetar um je ne sais quoi freudiano. Lage foi sempre vítima da pressão social e das imposições do dever, portador do tal superego que acompanha o andor do benfiquismo.
Nos momentos maus o peso é insuportável, nos momentos bons voa à velocidade do tapete mágico das mil e uma noites. 
Sinto que o Benfica ainda investe impérios em banalidades e, por isso, não capitaliza a sua dimensão social superior a FC Porto e Sporting. Não à toa, corre o sério risco de ganhar um só título dos últimos seis. Uma marca pobre.
Se o Vitória e o SC Braga não reclamarem as manchetes de sábado, o Sporting terá o bicampeonato aguardado há 70 anos. Um dado incompreensível, já agora, e revelador da confusão e incompetência que ao longo de décadas sobrevoou Alvalade.
Sporting ou Benfica, nenhum será um campeão admirável, merecedor de loas e uma coroa de glória. Será, sim, um campeão saído dos despojos recolhidos pela fuga de Ruben Amorim para Inglaterra. O campeão possível. Mas o campeão.
O futebol é apaixonante também por isto. Entre tiros nos pés, porta-aviões ao fundo, traições e um fratricídio quase shakespeariano, eis-nos no último capítulo e sem nada saber sobre o fim da trama
 Nos dias que correm, de streamings e bilionários de petrodólares e pouco juízo, não deixa de ser um luxo.
Viva a Liga 24/25!"

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