"Num ano de profundas alterações competitivas ao nível da nova metodologia das competições europeias, Liga das Nações e Mundial de Clubes, associando os jogos da Liga Portugal, Taça da Liga e Taça de Portugal, vemos a oportunidade dos jogadores que estejam presentes nestas andanças realizar jogos de 3 em 3 dias, podendo atingir no final de época mais de 60 jogos… É obra!
Sabemos que os jogadores, por vezes limitados pela ausência prolongada em treinos nos clubes de origem, inseridos noutros perfis de exigência técnica, tática, competitiva e emocional, com distintas equipas técnicas e por vezes com diferentes objetivos de conquista, podem ver comprometidas alguma respostas comportamentais, nomeadamente ao nível do espírito de coesão de grupo, que nalguns casos o vapor do êxito propaga e aquece, e noutros casos a marca do insucesso dissimula e constrange.
Deste modo a tal filosofia do treino para o jogo ou do jogo para o treino, merecer a alta qualificação de liderança por parte do treinador como gestor de recursos humanos, com vista à obtenção de sucesso, será fundamental avaliar de forma continuada tanto em termos somáticos, como cognitivos, como comportamentais, o estado de competências dos seus jogadores e anotar os traços da sua personalidade daqueles que perante este fenómeno estarão mais disponíveis para exibir esse marco vibracional de entusiasmo, agarrando o futuro com mais esperança.
No que concerne à densidade competitiva, a ciência do treino desportivo, em termos energéticos, refere que as 72 horas entre jogos será tempo suficiente para repor os níveis de glicogénio e as fontes energéticas ao nível básico de Vo2 Max (consumo oxigénio), mas nada refere neste caso de acumulação de tantos jogos em sequência, nem as horas em que se realizam, nem as consequências inerentes aos resultados obtidos e/ou rendimento apresentado, nem as alterações climáticas e sequentes fusos horários a ultrapassar pelo jet lag existente que globalmente conduzem a situações de dessincronização dos ritmos biológicos, gerando, como temos vindo a referir, maiores manifestações de fadiga, maiores dificuldades de concentração, maior irritabilidade ao desgaste, diminuição do estado de alerta, alterações do ritmo cardíaco, etc.
Creio que se torna fundamental então treinar, apenas e quase só para recuperar. Neste âmbito julgo pertinente recorrer a outras estratégias que, associadas, podem ajudar a complementar o afastamento duma síndrome de fadiga e possível estado de maior prevalência de lesões. Estudos realizados até ao momento entre os maiores clubes europeus referem a existência duma média de 7.9 lesões em cada 1000 horas de treino, confrontando as 29 lesões em cada 1000 horas em competição, sendo a maior percentagem ao nível muscular e osteoarticular. Será importante abrir aqui um parêntesis, no sentido de avaliar neste âmbito as consequências referenciadas a este nível, duma elevada densidade competitiva dos jogadores nas provas para as quais se viram convocados. Mas sobre esta temática, valerá a pena voltar um dia a uma reflexão mais profunda, naturalmente após verificar alguns resultados apresentados.
No sentido de valorizar o contributo para uma possível adaptação aos microciclos semanais de treino, apresento algumas sugestões, que me parecem de maior relevância:
— Treinos curtos em volume e de média/alta intensidade, com intervalos longos, valorizando a compensação hídrica e respiratória;
— Inserir no processo de engenharia ambiental de treino as técnicas que sejam capazes de promover a confiança dos jogadores, assegurando-os e encorajando-os na capacidade de serem bem-sucedidos;
— Reformular os objetivos de conquista, (curto, médio e longo prazo) — difíceis e desafiadores, comparando a análise de ranking de sucesso de complexidade crescente;
— Operacionalizar nos processos de treino, as técnicas de redução de stress e ansiedade (individual e coletivo), utilizando as técnicas de relaxamento muscular progressivo, imaginação, respiração e visualização mental, simulando as condições adversas, passíveis de consciencializar as tomadas de decisão antecipadas de previsível sucesso;
— Sempre que possível esta administração metodológica deverá ser realizada nos espaços de jogo e especialmente nas zonas de maior fluxo exibicional, podendo e devendo ser aclaradas com um processo de autocomunicação, onde podem intervir focos de irradiação mediática causadores de muita felicidade e bem-estar social, clubística, familiar e profissional;
— Estabelecer planos de atenção superior com objetivos bem claros, eliminando aspetos circundantes e supérfluos, mas devidamente realistas, capazes de criar um estigma de orgulho no símbolo que representa. Já referi por diversas vezes que as expressões mentais convertidas em ato tornam-se mais reveladoras na tomada das decisões, sendo mais eficazes para obter o sucesso, e perduram mais no tempo.
Nesta fase de abrangência competitiva altamente desgastante, as condicionantes biológicas, fisiológicas, atléticas e funcionais devem seguir com rigor a inserção das componentes comportamentais no plano de recuperação do esforço. Jamais esquecer uma instrumentalização duma cultura de honestidade, autenticidade, ética, resiliência e altruísmo para gerar as melhores condições dum estado de crença, que Norman Cousins (1915-1995) refere: «Este estado de crença também pode gerar biologia como força motriz de intencionalidade energética onde se atestam comportamentos, ajustam desejos, invocam convicções , acabando por bater nas portas onde habita o sucesso»…E são tantos os exemplos que se nos oferecem esses relatos fantásticos de apoteose exibicional e que alguns, desatentos, cognominam de sorte!
Os caminhos da aprendizagem transformam-se em projeto e mudança. Os processos que estão na base do treino orientado para o sucesso advêm dum postulado já referenciado nos finais da década de 70, em que o nosso querido Professor Doutor Manuel Sérgio a este propósito dizia: «Não pode haver preparo físico independente do modelo do jogo, adiantando que na preparação física, técnica, tática psicológica, o todo é uma referência constante pela sua complexidade, onde a ciência e a consciência não se podem limitar aos gastos energéticos e neuromusculares. A importância de trazer à planificação do treino não apenas a educação de físicos comprovadamente atléticos ou técnicos estruturalmente eficazes, ou táticos substancialmente competentes, mas a educação do que está para além do jogador que é o homem como pessoa. Estamos no confronto com pessoas pelo movimento intencional de transcendência em que do corpo em ato emerge a carne, mas também a paixão, o sangue, a rebeldia, as emoções e os sentimentos — tudo isto visando a transcendência ou a superação.»
Nos dias de hoje, através de uma dinâmica de intervenção ou planificação do treino, é possível a reconstrução dum modelo operacional, e após a avaliação de várias competências dos jogadores poderemos atestar comportamentos, ajustar desejos, invocar convicções e partir para nova viagem de sonho onde possa habitar o êxito.
Deste modo procuramos atenuar o fardo das cargas em estado difícil de gerir pelo desgaste, provocado pela densidade competitiva, por um lado, e por outro lado aumentamos o foco pela inteligência emocional, como garantia do estado de forma do jogador.
Acuso alguns exemplos que podia confirmar o estado de forma duma equipa e dos jogadores que dela fizeram parte, em que estas vertentes foram trabalhadas de forma seriamente comprometida, em semanas para as quais se antecipavam jogos de dificuldade máxima, e nos momentos de descanso ativo, se viram ativados estes ciclos de intervenção, com resultados simplesmente notáveis, muito embora, claro está sem a fobia e complexidade duma densidade competitiva, tal como se nos apresenta o calendário nesta época.
Seria injusto caso não voltasse a referir o que está plasmado na tese da intencionalidade operante, por parte do nosso sempre amado Professor Manuel Sérgio, que nos garante que é a partir do tónus mental e emocional que cada sujeito cria a própria realidade. Deste modo bem podemos explicar o contributo inestimável de consciência ancorada num estado e alegria e felicidade, que permite obter um estatuto pleno dum ganhador.
E as equipas felizes transportam no seu seio uma energia autenticada pela segurança no que querem fazer, ocultando o que têm de evitar, sendo capazes de produzir relações de elevada estabilidade, validadas pelo sucesso alcançado. Os elementos que delas fazem parte estabelecem um clima de reações mais estável e, porque possuem um sistema imunitário mais resistente e duradouro, fazem das causas participativas, no viver e no treinar, os melhores instrumentos para atingir resultados de sucesso e ainda porque, e repito-o: «Cada gota de suor terá sempre de conter um grão do pensamento.»"
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