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domingo, 10 de março de 2024

Lesões desportivas: testemunho pessoal de um ex-futebolista


"Como ex-profissional de futebol, praticante desde os meus 5 anos de idade, e profissional desde os 17 anos, tive a oportunidade de experienciar, na primeira pessoa, muitos dos achados enunciados pelo Dr. Rui Garrido. Desde muito cedo que me vi enquadrado num meio no qual a demanda constante por uma performance desportiva ótima, em muitos contextos, num enquadramento até mais 'resultadista' do que formador, nem coexistindo um equilíbrio entre a preparação física e recuperação, e as necessidades desportivas a que estava sujeito.
Tive a oportunidade de representar clubes com capacidade de implementação e gestão de uma estrutura profissional em torno do futebol de formação, nas mais diferentes áreas, desde o acondicionamento físico até à área da suplementação e nutrição, mas acredito que (ainda) não seja uma realidade partilhada pela grande maioria dos jovens praticantes da modalidade no contexto nacional, mesmo numa perspetiva de futebol jovem de elite.
Desde os meus 17 anos, altura em que o regime de treino e de jogo se tornou mais exigente, que tive de lidar, diariamente, com uma patologia que condicionou bastante a minha progressão enquanto atleta profissional e o meu dia-a-dia enquanto jovem – Tendinopatia do Tendão Rotuliano. Trata-se de uma causa bastante comum de gonalgia (dor no joelho) em atletas, caracterizando-se essencialmente por um quadro de dor anterior do joelho, edema e limitação funcional. Adquire comummente a designação de ‘jumper’s knee’ (‘joelho do saltador’), uma vez que ocorre frequentemente em praticantes de desportos que implicam cargas repetitivas sobre o aparelho extensor. No panorama nacional, cerca de 14% dos atletas recreacionais e 45% de atletas de elite padecem de tal patologia. A Tendinopatia Rotuliana tem causa multifatorial, admitindo-se à luz da evidência atual que o processo patológico tem início quando a carga a que o tendão é sujeito ultrapassa a sua capacidade de adaptacão ¸ estrutural à demanda mecânica, desenvolvendo-se uma tendinopatia reativa inflamatória aguda, com possibilidade de evolução para um processo degenerativo e para a cronicidade.
É certo que fatores intrínsecos aos próprios atletas podem predispor ao desenvolvimento de determinadas lesões do aparelho musculo-esquelético, nomeadamente fatores anatómicos, flexibilidade, força muscular, arcos de mobilidade articular, grau de pronação do pé, coordenação articular e propriocepção, peso, entre outros. Interessa, neste contexto, colocar a tónica nos fatores extrínsecos, nomeadamente a prática em pisos sintéticos em idades cada vez mais precoces (que comprovadamente aumentam o risco de lesões desportivas), tipo e intensidade de treino, características do próprio piso, calçado desportivo, entre outros. São fatores que, na maior parte dos casos, não são devidamente acautelados pelas entidades formadoras, e que condicionam, inevitavelmente, um risco acrescido de lesão em contexto da prática desportiva. A título pessoal, uma lesão que aparentemente se revelava inócua condicionou profundamente os meus últimos anos de atividade profissional, tendo eu sido forçado a colocar um ponto final da minha carreira.
Várias foram as formas de abordagem tentadas, desde um reforço muscular dirigido, a um trabalho de alongamento e flexibilidade específico, suplementação e gestão farmacológica da dor. Mas em momento algum senti melhoria sintomatológica e recuperação funcional que me permitisse o retorno à prática ao nível que me era exigido por parte dos responsáveis da instituição que representava. Psicologicamente, momentos de lesão são também difíceis de serem geridos e creio que, a esse nível, ainda existe muita margem de progressão. Agora, como estudante de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e compreendendo determinados aspetos fisiopatológicos e de gestão terapêutica deste tipo de lesão, fica a sensação de que talvez, num passado não muito distante, uma abordagem mais holística e que integrasse as várias dimensões englobadas pela Medicina Desportiva de uma forma constante e profissional, pudesse condicionar um desfecho diferente. Cabe-me a mim, agora do ‘outro lado do campo’, promover uma atitude proativa e preventiva em relação às lesões desportivas e reforçar a necessidade de uma abordagem multidimensional na preparação dos jovens atletas de elite para o seu futuro profissional desportivo."

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