"O ‘tribunal da Luz’ habituou-nos a nem sempre glorificar os melhores
O famoso tribunal da Luz remonta aos tempos em que apenas a bancada nascente do antigo estádio ostentava o histórico terceiro anel, erigido em 1960, seis após a inauguração do recinto.
Em 1985 o terceiro anel fechou-se em torno do estádio, mas o conceito não se perdeu. Em 2002 a antiga Luz começou a ser demolida, tendo sido a nova inaugurada em 2003.
Apesar das evoluções arquitetónicas e do avançar dos tempos, o tribunal pouco mudou. Apesar de não ser caso único (vide, escassos quilómetros a nordeste, o caso de Pedro Barbosa, por exemplo), o terceiro anel transmite a perceção de não ser consensual em relação a alguns dos inúmeros grandes jogadores que têm vestido a camisola do Benfica. Nuno Gomes e Cardozo, hoje imortalizados no Mural dos Campeões, nem sempre foram compreendidos. João Mário, estratega fundamental e equilibrador-mor do regresso dos encarnados ao título nacional, não o é nos dias que correm.
Rafa Silva, vão Deus e os juízes do tribunal da Luz perceber (ou não) porquê, pertence a este grupo dos não totalmente amados pelo terceiro anel.
Desequilibrador como poucos, rápido como quase nenhum, Rafa vai na oitava época de Benfica e em mais de metade delas (incluindo a atual) ultrapassou a dezena de golos marcados. Em duas assistiu mais de dez vezes para golos de companheiros.
Na temporada atual já bateu o recorde de assistências e ao ritmo a que vai produzindo (sempre titular), pode muito bem atingir ou ultrapassar os 21 golos de 2018/2019. Os números estão todos disponíveis num trabalho do jornalista Nuno Reis em A BOLA desta terça-feira e em www.abola.pt.
Não são porém os números que nos trazem a Rafa, mas sobretudo o tipo de jogador singular que é: endiabrado, embora por vezes pareça alheado; rapidíssimo, mesmo que de vez em quando não se lhe detetem os objetivos pragmáticos de algumas corridas; finalizador de excelência - e sim, é verdade que também falha oportunidades inacreditáveis. Perante as características do eletrizante extremo (ou segundo avançado, também tem esta particularidade dos grandes, a de oferecer soluções diversificadas aos treinadores), se fosse um matador como Jonas, Jardel, Gyokeres, Cardozo ou Nuno Gomes não teria certamente permanecido em Portugal durante toda a carreira. Mas se não fosse tão talentoso também não o teria feito durante tanto tempo com a camisola do Benfica vestida.
Rafa é daqueles jogadores imprevisíveis que fazem falta ao futebol cada vez mais mecanizado e laboratorial dos nossos tempos. O repentista tímido que num ápice nos reconcilia com o encanto do Grande Jogo.
Aos 30 anos deu a entender que vai deixar a Luz. Também deixou a Seleção, à qual chegou com 20 anos e onde nunca triunfou. Veremos o que dá este caso, mas há algo que parece inevitável: com a época que está a realizar, as saudades do tribunal virão depois da despedida. Como, afinal, quase sempre sucede na vida."
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