"“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do género humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por vós”.
(John Donne)
No passado mês de Agosto decidimos finalmente publicar uma proposta de análise qualitativa ao jogo de Futebol, que já vínhamos a desenvolver há alguns anos. Como descrito nesse momento, a mesma pode ser efectuada ao todo (equipa) ou a uma das “partes” (jogadores). Sendo qualitativa, também contemplará a relação infra-equipa e a interação com os adversários, e sendo assim, o termo “partes” acaba por se revelar desadequado. Mas não vamos por aí. No entanto, só procurando compreender essas relações e interações conseguiremos nos aproximar de uma ideia mais real de algo tão complexo como o comportamento táctico em jogo. E relembramos… não o táctico como mais um “factor” do jogo. O verdadeiro táctico enquanto supra-dimensão e que se manifesta pelos comportamentos em jogo da equipa e dos seus jogadores, emergindo da interacção da dimensão técnica, da física-energética, da psicológica-mental e das complementares.
Como exemplo abordámos os jogos que Ángel di María realizou nos jogos de preparação do Benfica. Pelos momentos do jogo chegámos a taxas de eficácia de:
- Organização Ofensiva: 61%
- Transição Defensiva: 58%
- Organização Defensiva: 75%
- Transição Ofensiva: 78%
Ampliando a escala da análise aos sub-momentos do jogo, o argentino registou as seguintes taxas de eficácia:
- Construção: 73%
- Criação: 44%
- Finalização: 23%
- Reacção à perda: 75%
- Recuperação defensiva: 15%
- Defesa do contra-ataque: Não foram registadas acções neste sub-momento
- Impedir a construção: 75%
- Impedir a criação: Não foram registadas acções neste sub-momento
- Impedir a finalização: Não foram registadas acções neste sub-momento
- Reacção ao ganho: 82%
- Contra-ataque: 80%
- Valorização da posse de bola: Não foram registadas acções neste sub-momento
No intencionalmente breve comentário à análise, procurando abstermo-nos de explicar estes números, escrevemos que “as principais qualidades do Argentino estão intactas. Quer ao nível dos recursos que evidencia, quer em Transição e Organização Ofensiva, mostrando-se ainda particularmente preparado para a Ideia de Jogo de Roger Schmidt e nomeadamente ao papel ofensivo que terá, que poderá potenciar as suas qualidades pelos corredores laterais e central”. Parece-nos factual que a análise vai ao encontro do que Di María tem apresentado em competição. Como também nos parece factual que as debilidades que mostra e que têm afectado a equipa e as decisões de Roger Schmidt na escolha do onze também estejam relacionadas com a grande debilidade que apresentou: o momento de Transição Defensiva, em particular, o sub-momento de Recuperação Defensiva. Tal sub-momento apresentou uma taxa de 15% de eficácia nos jogos de treino analisados…
Se um jogador apresentar esta debilidade numa equipa, tal já se torna um problema nos momentos de Transição e Organização Defensiva, contudo, não decisivo e escamoteável na organização geral da equipa. Se em vez que um forem dois ou mesmo três jogadores com debilidades idênticas, já terão efeitos nefastos na mesma perante adversários que as explorem. David Neres, à imagem de Di María, independentemente da sua fenomenal qualidade ofensiva, apresenta os mesmos problemas em Recuperação Defensiva que o argentino. Tal também foi referido noutro artigo sobre as escolhas de Schmidt em determinado momento da época passada. Se bem que estando a jogar noutra função, podemos ainda acrescentar Rafa…
No programa Futebol Total no Canal 11 da passada Terça-Feira, numa brilhante análise, o Pedro não só chegou às mesmas conclusões como explicou tacticamente os porquês destas consequências negativas na equipa. Se uma equipa defender sistematicamente em GR+7 já se torna muito perigoso, que é o que sucede regularmente no Benfica quando João Mário ou Aursnes actuam como “Médios-Laterais”, defendendo em GR+6 torna-se negativamente decisivo contra adversários que atraiam os médios a um dos corredores (nomeadamente aos laterais) para depois explorarem os desequilíbrios criados nos outros corredores.
Se naquele momento, não nos precipitámos em conclusões e deixámos espaço para que Di María actuasse de forma diferente em competições oficiais, a realidade é que isso não aconteceu. Vamos ser sinceros… como seria expectável. Criou-se a ideia no trabalho com as equipas que “o jogo é o espelho do treino”. Se nos parece lógico o conceito, podemos acrescentar que também a competição poderá ser o espelho dos jogos de treino. Os hábitos, o entrosamento e o jogo de qualidade também se criam aí, pois caso contrário não faria sentido serem realizados. Uma vez mais… estamos perante um fenómeno complexo de extrema sensibilidade às condições iniciais. Os jogos de treino, como os treinos no período preparatório, são condições iniciais absolutamente decisivas para o que a equipa e os jogadores irão realizar semanas mais tarde em competição.
Será que mostrar estas análises, em vídeo e depois as taxas de eficácia iria ajudar jogadores como Di María e Neres a crescerem nas suas debilidades? Não temos resposta para isto pois, como o professor Silveira Ramos transmitia nas suas aulas, “cada ser humano é um universo de estudo”. Desta forma, não existindo receitas, pode ser sempre uma ferramenta e um recurso, tal como escrevemos atrás.
“(…) este modelo também pode ser aplicado a cada jogador à luz da sua actuação individual, tendo por base exactamente as mesmas acções e lógica estrutural de análise. Isto permitirá que a equipa técnica potencie o desenvolvimento individual, ou noutro contexto, que o jogador se consciencialize dos seus erros, lacunas e qualidades, e partir daí, preferencialmente no contexto do clube, mas caso o nível de rendimento em que actua não lhe permita essa possibilidade, que recorra a auxilio de técnicos especializados tendo por objectivo o seu crescimento individual.”
Ainda sobre o todo complexo que é o jogo, a informação resultante da análise qualitativa e a análise do Pedro Bouças mostram também, uma vez mais, que o todo não é a soma das partes. O todo é sempre diferente da soma das partes. Para melhor ou para pior. Por muita qualidade individual que Di María e Neres tenham na grande maioria dos sub-momentos do jogo, as suas enormes debilidades actuais em apenas num deles provoca um “efeito borboleta” com grande potencialidade corrosiva no todo. Como foi referido, a equipa até ficará mais fraca nos momentos ofensivos porque, potencialmente, terá menos tempo a bola pois ao defender com menos jogadores, irá recuperá-la menos vezes. A excepção poderá ser uma fenomenal eficiência e eficácia nos sub-momentos de Transição Ofensiva. Deste modo, quando os dois, mais Rafa, coabitam no mesmo onze, esse todo será mesmo… potencialmente inferior à soma das partes…
“É da problemática da complexidade
a natureza do que é nela interacção,
esfacelar tal realidade
é o que promove a mono explicação.”
(Vítor Frade, 2014)"
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