"“El-Rei, onde está o Rei?”
Toda a gente perguntava pelo mais “Desejado”, ao ver aquele pelotão desbaratado a desembarcar da nave dos sonhos, sem outros despojos de guerra que não fossem a tristeza no rosto, as feridas no orgulho e uma dor aguda na alma.
“O Rei ficou para trás, perdemo-nos uns dos outros na confusão da batalha…” - arriscou um dos nobres sobreviventes, hesitante entre a assunção do desastre e palavras de honra pela determinação e pundonor com que se tinham batido frente a um adversário em esmagadora superioridade numérica e estratégica.
“Eram mais de 40 mil, um barulho ensurdecedor, não conseguíamos pensar. Pedimos desculpa aos portugueses…”
“Mas está vivo? Sobreviveu como vós? Ficou para trás porque os capitães são os últimos a abandonar?”
“Sim, de certeza, um Rei ainda tão jovem e fogoso não se deixa abater, deixa tudo no campo, não vira a cara à luta e nunca desiste dos seus sonhos”.
“Terá ficado “Adormecido”?”
“Talvez. Ou “Encoberto”… Mas jamais viraria as costas aos companheiros e ao país”.
“E vocês, fidalgos, cabos-de-guerra, não conseguiram protegê-lo na batalha?
Deixaram-no perder-se no meio dos inimigos?”
“Vocês não percebem nada de táticas de guerra, as coisas não correram como pensávamos. Eles eram fortíssimos”.
“Sim, não percebemos nada de guerras, mas… Mas fomos derrotados com o salvador da pátria no campo de batalha? Como foi isso possível?”
“Ele só queria ganhar, bater o recorde de conquistas do “King”, chegar à glória, fazer-nos campeões, mas também não se entendeu muito bem com os generais. Talvez não tenhamos remado todos para o mesmo lado”.
“Que vergonha! E agora? Sabem quando regressa? Ele mandou alguma mensagem para o povo?”
“Na hora, não disse nada. Após a derrota, só verteu lágrimas e desapareceu no horizonte”.
“O que vamos fazer sem ele?”
“Vamos esperar que regresse, que o tempo seja bom conselheiro. Ele há-de voltar, numa destas manhãs enevoadas…”
“Assim o desejamos. Que cada um tire as suas conclusões. Que volte el-Rei! Viva el-Rei!”
“Venham, meus filhos, nosso grande orgulho, a mãe-pátria já vai consolar-vos. Foram-se os troféus, ficaram os pés, o vosso e nosso ganha-pão. Amanhã é outro dia, não ouçam os velhos do Restelo” - gritavam mães, irmãs, namoradas, esposas, todas unidas e solidárias no sofrimento dos seus heróis de porcelana.
“Viva!”, gritaram, num assomo de orgulho e alívio.
E lá foram, estropiados mas reconfortados, ao encontro das mulheres e das crianças, a cambalear de sorriso amarelo e salamaleques envergonhados, os que restavam do exército garboso que se propusera conquistar o mundo mas embateu na fortaleza berbere, reforçada de voluntários de outras paragens, árabes, africanos, otomanos, franceses, belgas e holandeses - suspeitam até de argentinos -, com uma infantaria desproporcional de energia inesgotável que abafou os canhões raiados da nossa soberba.
À passagem da comitiva, os arautos da desgraça, os hipócritas, os invejosos, os ingratos, os vira-casacas, iam subindo o tom de voz, a acidez dos comentários, a verrina da crítica, censurando a ambição cega e a falácia da conquista temerária, movida pela ganância de fama, glória e troféus, para si mesmos e em nome da populaça.
— "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!”
Cabisbaixos, mas determinados e ávidos, sempre empurrados pela cupidez sem limite, os fidalgos que ainda restavam da expedição esfrangalhada iriam prometer mais tarde às Cortes políticas, ao clero federativo e ao povo insano, depois de merecido descanso e reflexão, novas investidas, novas conquistas, novos Mundiais ao mundo - a essência psicológica dos Lusíadas, cantada pelo Poeta, no canto IV:
— "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?”"
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