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sexta-feira, 15 de julho de 2022

A integridade do Desporto


"Sempre que usamos da palavra no espaço público gostaríamos de nos podermos circunscrever ao lado virtuoso do Desporto.
De falar apenas da excelência dos resultados, da qualidade dos atletas, da estética dos corpos em competição, das emoções vividas, da expressão cultural e formativa de uma atividade que Pierre de Coubertin queria que fosse de musculação moral ao serviço do desenvolvimento humano.
Só que para poder continuar a falar destes valores do desporto e da sua dimensão cultural e social, teremos de fazer como pedia Saramago: olhar; se possível ver e depois reparar.
E ao reparar reconhecemos um outro lado do Desporto: aquele que é invadido por episódios de manipulação de resultados, de apostas ilegais, de uso e tráfico de drogas, de infiltração criminosa, de corrupção, de tráfico de menores, de fraude fiscal, de branqueamento de capitais ou tráfico de influências que o usam para fazer florescer proveitos de origem criminosa.
A globalização do fenómeno desportivo, a sua mercantilização acelerada por um crescente volume financeiro e interesses de cariz económico e político, uma cultura de autorregulação que resiste ao controlo dos poderes públicos, tem exposto vulnerabilidades preocupantes da indústria do Desporto à permeabilidade das ameaças crescentes que corroem os seus pilares fundamentais.
A integridade, não tenhamos dúvidas, há muito está posta em causa e a sua violação é hoje uma das maiores, mais sérias e complexas ameaças que o Desporto enfrenta. Maiores pelos volumes financeiros que comporta. Mais sérias pela dimensão da rede de criminalidade organizada transnacional que opera com baixo risco e elevados lucros. Complexas pela sua dimensão global e sofisticação tecnológica.
A prevenção da criminalidade associada ao Desporto não pode ser algo que dependa do impulso de uma ou outra entidade, ou do proclamar de princípios éticos sem uma clara componente prática e, portanto, vazios de sentido.
Os agentes e organizações desportivas devem saber reconhecer, resistir e reportar estas ameaças às autoridades judiciais. Mas as organizações desportivas devem dar exemplo de boas práticas, adotando padrões de governação onde prevaleçam o bom uso dos recursos, a transparência e a integridade.
O Desporto nasceu fora da órbita do Estado. E essa circunstância tornou as organizações desportivas avessas ao controlo público. À tentação de criarem um "estado" dentro do Estado. De fazer coabitar dois direitos. Esse tempo passou. Não é mais possível voltar para trás.
As opiniões públicas não compreenderiam que, estando em causa relevantes interesses públicos, o Estado não regulasse, não supervisionasse e se necessário não punisse.
Esta é uma batalha sem tréguas para a qual todos estamos convocados e temos a perfeita noção que uma ameaça global desta índole requer o compromisso intransigente e empenhado de organizações que partilhem a mesma visão reformista e preocupação face à dimensão dos problemas que atravessamos.
Que cruzem as competências das organizações desportivas, com as dos governos, entidades intergovernamentais, órgãos de investigação e polícia criminal, reguladores e operadores de apostas, garantindo a reputação e credibilidade de patrocinadores, operadores televisivos e demais entidades cujos investimentos e marcas serão postos em causa se manchados por eventuais escândalos.
Se não soubermos preservar o Desporto, se formos incapazes de cuidar dos seus valores e princípios fundamentais, se não salvaguardarmos a sua integridade, se o não colocarmos ao serviço do desenvolvimento social e humano, todo o seu valor formativo se perde.
Porque se chegarmos aí o Desporto vira-se contra si próprio. Subverte a sua missão essencial, descredibiliza-se irremediavelmente perante a sociedade e compromete a reputação dos agentes e das organizações que desempenham aquilo que deverá ser um relevante serviço de interesse público."

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