Últimas indefectivações

sábado, 19 de novembro de 2016

O melhor e o pior dos tempos

"O que seria de Marlene Dietrich sem o poder da sedução do seu cigarro? Que teria sido da musa alemã do cinema sem aqueles planos enfumarados? Que seria daquela eterna atitude de charme e sedução? Uma baforada de Dietrich na cara nunca seria, imagino, vista como ofensa e muito menos agressão. Nunca saberemos. Só podemos imaginar.
Discutir o fumo importa, claro que sim. Desde logo porque não o há sem fogo, como sabemos, mas também porque na rixa Carvalho-Pinto, os presidentes de Sporting e Arouca contribuíram para redimensionar a discussão, levando o futebol nacional para o debate dos estados físicos da matéria. O que, naquilo tudo, será sólido, líquido ou gasoso? Ou não será um sortilégio, uma mistura mágica de tudo, talvez Smoke on the Water, como viram os Deep Purple? Permito-me, em alternativa resumir a questão com o poema de Augusto Gil, porque encaixa na métrica:
«Batem leve, levemente
como quem chama por mim.
Será fumo? Será gente?
Gente não é certamente
e o cuspo não bate assim.»
E, já agora, mesmo em tempos de redes sociais, na vivência da terceira revolução industrial, estas questões que nos devolvem à importância da mera discussão do vapor, como as máquinas por ele movidas no século XIX, levam-nos também, se quisermos, à própria obra de Charles Dickens. (E porque não? Afinal se discutimos delirantemente tudo isto e todos os analistas têm levantado a mesma voz crítica da moral e bons costumes, talvez eu possa ser menos razoável. Quando tudo se mistura de modo enfermo, convém procurar para lá da fumaça, para lá dos sapatos engraxados como o brilho do cuspo). Começava assim Dickens em Conto de Duas Cidades, de forma ainda actual, aqueles tempos difíceis, dominados pelo vapor: «Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos»."

Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

1 comentário:

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