"Os Benfica-Sporting fazem parte da memória e do romance. Multiplicam-se inevitavelmente época após época. Devem ser relembrados volta e meia. Por todas as razões que fazem do futebol qualquer coisa de único.
Houve a véspera daquele Benfica-Sporting, nas Amoreiras, de 3 de Março de 1940, que Peyroteo conta no seu livro de memórias. Manuel Marques gostava de irritar o treinador Szabo, que falava um português atrapalhado. E interrompia-lhe a prelecção, dizendo: «Isso está tudo muito bem, mas o senhor não está a contar com os adeptos deles, que fazem muito barulho e influem no resultado.»
Szabo zangava-se: «Sinhor! Carágo! Dar uma cabêçada para si. Não brincar e não rir, que não ter graça nênhum!»
E Manuel Marques insistia: «Eles fazem muito barulho, a gente não vê a bola, não vê nada. Só ouve gritar Benfica, Benfica, Benfica. É horrível!»
E Szabo, então, dava a táctica definitiva: «Passar bola bons condições e Fernando fazer calar tudos, gajos não piar mais...»
E Fernando Peyroteo faz calar todos. Com golos: um, dois e três. «Caréga, Maria!»
Houve aquele outro jogo de 17 de Outubro de 1965, no Estádio da Luz, com Lourenço, que viera da Académica e a quem, por pirraça, chamavam a «Vaca», a fazer quatro golos, dois deles de chapéu a Melo.
«Não foi uma questão de o guarda-redes ser pequeno, foi uma questão de ângulo para marcar os golos assim», diria Lourenço, mais tarde, defendendo-se da troçados que diziam que tinha marcado quatro golos a uma guarda-redes anão. E Melo sofrendo o «síndroma de Persónico» e nunca mais jogando outro derby.
O imarcescível Nelson Rodrigues costumava escrever: «Tudo é Fla-Flu e o resto é paisagem.»
Pois era mesmo isso que me apetecia escrever.
100 anos de nomes. A dimensão dos grandes nomes.
As imensas madrugadoras das vitórias; as longas noites das derrotas.
«Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...»
Poemas de noventa minutos.
Domingos transformados em catástrofes.
Alfama e Madragoa; a ponte e o Cristo-Rei; o leão do Marquês.
O Chiado e o Rossio. A Estrela e Campolide.
As noites inquietas do Bairro Alto.
As ruínas do Carmo e o sino da igreja da Trindade.
Da Travessa do Guarda-Jóias ao elevador da Bica.
Da Penha de França à Pampulha.
Do Largo do Conde Barão à Rua de Sol ao Rato.
Tudo isto é também Benfica e Sporting.
Equipas inteiras lidas ao ritmo dos poemas:
Azevedo, Cardoso e Marques; Barrosa, Canário e Veríssimo; Jesus Correira, Vasques, Peyroteo, Travaços e Albano.
Costa Pereira, Mário João e Ângelo; Cavém, Germano e Cruz; José Augusto, Eusébio, Torres, Coluna e Simões.
Carvalho, Pedro Gomes e Hilário; Fernando Mendes, Alexandre Baptista e José Carlos; Figueiredo, Osvaldo Silva, Mascarenhas, Geo e Morais.
José Henrique; Artur, Humberto Coelho, Messias e Adolfo; Toni e Jaime Graça; Eusébio, Artur Jorge, Nené e Jordão.
«Tirem-me daqui a matafísica!»
Fados canalhas; homens bêbados; montras de leitarias; lençóis dependurados nas janelas.
O rio ao fundo.
«Macio Tejo, ancestral e mudo».
O transistor pousado sobre o balcão de mármore da taberna: «GOOOOLOOOOOOOOO!»
O grito fugindo ao longo das ruelas estreitas.
Fitas coloridas de plástico nas portas dos talhos.
Miúdos dependurados nas boleias dos eléctricos.
Prazeres e Gomes Freire.
«Houve uma vez»; poderia continuar assim e nunca mais acabar.
O romance dos Benficas-Sportings é um poema interminável.
Com Lisboa e Tejo e tudo."
Afonso de Melo, in O Benfica
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