"1. Já começou a futebol a sério mas, de verdade, só interessa a Supertaça que hoje domina, a partir do Estádio do Algarve, as atenções gerais. Até agora foi, de verdade, pré-época. Que não dá nem títulos nem troféus. Hoje sim há Taça a erguer. Supertaça a exibir. Pouco interessa que já tenha havido Taça da Liga e que desde sexta-feira tenhamos os primeiros jogos oficiais da segunda Liga. Apenas o feito do Belenenses na Liga Europa - que importa vivamente saudar nas pessoas de Rui Pedro Soares e de Ricardo Sá Pinto - mereceu um justo e louvável espaço de atenção. Como o sorteio da Liga dos Campeões que obriga o Sporting a um difícil confronto com o CSKA de Moscovo. O que interessa, de verdade, é este jogo da Supertaça. Bem promovido - uma vez mais - pela Federação Portuguesa de Futebol. O que não pode deixar de merecer, antes do jogo, um merecido aplauso e um justo reconhecimento. Mas esta Supertaça leva-nos, na realidade, à teoria dos dois eus. O eu da experiência e o eu da memória. E recordei estes dois eus a partir da conferência de imprensa de antevisão a este jogo dada pelo agora treinador do Sporting Jorge Jesus à RTP. E não corrigida na conferência de imprensa de ontem já em pleno Estádio do Algarve. O que se pressente em Jorge Jesus é uma certa ansiedade. Que o leva a momentos de obstinação e de alguma deselegância face ao Benfica e ao seu treinador. E, logo, e por conexão, aos muitos milhares de adeptos do Benfica. E recordei ainda mais as diferenças entre Rui Vitória e Jorge Jesus ao olhar para um dos livros escolhidos para ler nestas férias estivais: Pensar, depressa e devagar, de Daniel Kahneman, que recebeu o Prémio Nobel da Economia em 2002 pela sua obra, em parceria, sobre os processos de tomada de decisões. Tal como Copérnico removeu a Terra do centro do universo...
2. Acredito que os responsáveis do Benfica distribuíram, mesmo com as traduções necessárias em alguns casos, partes daquela entrevista dada pelo Jorge Jesus. E, em contraponto, a serenidade manifestada por Rui Vitória. Mas Jorge Jesus combina, em si mesmo, conforme o assume, o eu da memória com o eu da experiência. O problema é que, citando o referenciado Nobel: «O eu da memória está por vezes errado, mas é ele que classifica e rege aquilo que aprendemos a viver e é ele quem toma as decisões. Aquilo que aprendemos com o passado é a maximizar as qualidades das nossas recordações futuras, não necessariamente a nossa experiência futura.» E é, aqui, que se centra o discurso de Jorge Jesus. Sabe que o passado lhe dá prazer. Já que o que ele tem no seu cérebro é uma longa experiência de prazer. No Benfica. E apenas no Benfica. O que antecipa, porventura, é um episódio intenso de dor. Por mim desejo uma dor longa. E prazeres curtos. Bem curtos. Também desta forma persistirão os dois eus. Que é no caso de Jorge Jesus, e citando alguém, um elemento essencial na sua narrativa de vida. Naquilo que se identifica a vida como história. Sabendo nós que Copérnico removeu a Terra do centro do universo...
3. Os dois eus também se viveram, lá bem no fundo, nas eleições para a Liga de clubes. Neste arranque de Agosto ocorreu, claramente, uma alteração substancial no denominado negócio televisivo do futebol. A Benfica TV, para além dos jogos no Estádio da Luz, tem os direitos televisivos de três ligas europeias. Da Liga inglesa que já detinha da época anterior. E agora das ligas francesa e italiana. O que implica que a Sport TV apenas detém os outros jogos da Liga portuguesa e as ligas espanhola e alemã. Esta disputa nas televisões não esteve afastada das eleições na nossa Liga. Também houve, ali naquelas eleições, dois eus. O eu que num momento apoiava, sem reticências, Luís Duque e o apoiava, até, para a liderança da Federação. E o mesmo eu que, de repente, com a aliança das vozes do costume e as traições dos habituais, transferiu um conjunto de votos para Pedro Proença. Sabemos todos que há sempre escolhas. Umas livres. Outras impostas em estado de necessidade. E por forças maiores. Mas também existem inversões. O que importa é que no nosso futebol se entendam as escolhas feitas, se percebam os concretos enquadramentos e não se ignorem os valores dominantes. Que implicam o compromisso sério de todos aqueles que geram valor para a indústria do futebol. E o Benfica, quer se queira quer não, gera valor. Mais valor. Muito valor. Como todos nós sabemos!
4. Hoje termina em Lisboa mais uma edição da Volta a Portugal. O vencedor é, de certa forma, o vencedor anunciado. Quase que antecipado já que renova o triunfo do ano passado. E a Volta foi, desta forma, controlada pela equipa do camisola amarela! A competição foi assim bem estrita. Foi uma competição reduzida a alguns espanhóis - em rigor galegos! - e a alguns portugueses. Basta olharmos para a classificação final para percebermos que a competição valeu pela adesão popular e pela ligação aos Municípios que são, aliás, a par da RTP, o suporte financeiro da Volta. O que vale, de verdade, é que a Volta esteve na estrada. Nas estradas e nas paisagens únicas deste nosso Portugal.
5. A nove de Agosto de 1945, os norte-americanos, três dias após o ataque a Hiroxima, lançaram uma nova bomba atómica sobre Nagasáqui. Há alguns anos tive o privilégio de visitar o Museu da Bomba Atómica em Nagasáqui. Jamais esquecerei as cerca de três horas dessa visita. O que vi, senti e pressenti combinam, também, o eu da memória com o eu da experiência. Aqui a experiência singular de pisar o buraco bem negro onde a bomba caiu. E com estrondo rebentou. Matando num ápice mais de setenta e quatro mil pessoas. Recordo que mal saí do Museu, e como as pernas tremiam, tive que me sentar no primeiro banco que encontrei. E as lágrimas caíam na minha face. Bem sei, recordando Machado de Assis, que «as lágrimas não são argumento». Mas o que sei é que recordo cada dia nove de Agosto. E tudo dolorosamente ocorreu há setenta anos! Tal como o final da segunda Guerra Mundial!"
Fernando Seara, in A Bola
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