"A Federação com biombos de vidro
Quando Álvaro Cunhal publicou o “Partido com paredes de vidro” (1985), proclamando a transparência de mostrar como actuavam, lutavam e viviam os comunistas portugueses “de forma a facilitar a observação de quem estava de fora”, foi glorificado pelos correligionários e desvalorizado pelos cépticos. De um lado, a “verdade a que temos direito” como lema da comunicação interna, do outro, a desconfiada sabedoria lusitana de “com a verdade me enganas” dos adversários de sempre.
Os mentores comunicacionais do presidente da Federação Portuguesa de Futebol seguem esta estratégia de “biombo de vidro”, em que se usa o conceito de transparência, levado ao extremo da imagem cristalina por canais próprios como a televisão do “futebol positivo”, para iludir a realidade e esconder a praxis real com simulações perfeitas de exposição pública.
Olha-se através do vidro, mas não se vê nada.
Foi assim a conferência de imprensa de apresentação do novo seleccionador nacional, primeira aparição de Fernando Gomes após a hecatombe do Catar, a desresponsabilização dos dirigentes, o despedimento sumário do “treinador mais titulado” e o conflito insanável com o capitão Cristiano Ronaldo, entre outros episódios mais ou menos controversos, como a renúncia de Rafa Silva por suspeitas de destratamento federativo.
Três perguntas, só três perguntas, duas por afinidade e outra por designação.
Respostas adequadamente correctas de agradecimento a Fernando Santos da porta aberta, sobre a inadequação dos treinadores portugueses e sobre a justificação para a duração do contrato do senhor Martinez - três oportunidades de passar por esclarecedor sem revelar uma vírgula da rescisão do contrato FEMACOSA, da distância os treinadores portugueses do perfil definido, dos nomes dos candidatos descartados ou do valor milionário que convenceu o espanhol.
“Passamos agora ao senhor seleccionador nacional…” - e digamos adeus ao grande líder, até uma próxima oportunidade em que seja absolutamente necessário abrir as cortinas e deixar entrar uns flashes de mediatização pelas vidraças do Jamor.
As explicações eventuais, incluindo respostas aos que criticam o autoritarismo federativo, ficam para a opacidade dos relatórios e para a dialética do Comité Central, perdão, da Assembleia Geral.
O biombo de vidro da Cidade do Futebol revela-nos a “organização, trabalho, centralismo (…), prestação de contas, experiência, renovação, consenso, unanimidade, democracia, direitos e deveres, crítica e autocrítica (…) com transparência cristalina” que Miguel Urbano Rodrigues, antigo chefe de redação do “Avante” e diretor de “O Diário”, treslia no livro de Cunhal sobre o PCP.
É a “revolução tranquila do futebol português”, liderada por quem “sabe distinguir a solidão do silêncio”, como sabiamente lhe chamou Fernando Seara."
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