"Vemos ressurgir o Chelsea e percebemos o dedo de Tuchel, do mesmo modo que assistimos ao brilho intenso de um City refeito por Guardiola ou reconhecemos também depressa que o novo Sporting tem a impressão digital de Amorim, daquelas marcadas a tinta como nos velhos bilhetes de identidade. Mas, ao mesmo tempo, assistimos à ressurreição do Barcelona sem que haja propriamente uma “ideia Koeman”, como ainda nos surpreendemos, tantos anos depois, com uma espécie de paradoxo que são as “oscilações regulares” do Real de Zidane, percursoras dos entusiasmos fugazes com o Man United de Solskjaer. O futebol vai sempre viver assim, algures entre uma ideia que congrega jogadores e grupos de jogadores que sustentam uma ideia. Mas aqui há ovo e galinha, bem distintos, que houve grupos de jogadores desde o proto-futebol e só décadas depois se percebeu a intenção de os ligar num compromisso tático, o que melhorou o jogo.
Vem isto a propósito de dois debates recentes, porque me parece que pelo menos os enquadra, se é que não os anula: o das alterações estruturais – em que as variantes com defesa a 3 são a novidade velha (estou em definitivo dado a contradições) - ou do resgate da marcação ao homem, em boa parte reforçada a partir da alteração legal que autoriza a bola a ser tocada no interior da área após o pontapé de baliza. Foi o detonador para que muitas equipas, mesmo algumas que não têm qualquer intenção de pressionar propriamente, se apressem a condicionar individualmente o rival, mais não seja para o manter mais tempo distante da própria baliza.
A estrutura de três atrás (ou cinco, depende dos momentos), tem óbvias vantagens, seja na proteção que dá aos médios ou na liberdade ofensiva que pode garantir aos laterais/alas, algo claramente visível no actual Sporting, e que fez disparar o rendimento e cotação de Porro, Nuno Mendes ou Palhinha, e nalguns jogos recentes do Benfica, idem para Diogo Gonçalves, Grimaldo, e sobretudo a dupla Weigl/Taarabt de quem deixaram de se questionar as fragilidades defensivas. Não deixa, no entanto, de representar, por regra, a supressão de uma unidade ofensiva, o que obviamente retira soluções em posse. Claro que a qualidade ofensiva dependerá sempre do perfil desses laterais/alas (e dos médios), se de origem defensiva – o mais comum – ou com trajeto de atacantes, como nos modelos de inspiração “cruyffiana”.
A questão da marcação ao homem é mais complexa, até porque sempre existiu e não desaparecerá, pelo menos em alguns momentos do jogo. Já a opção de a colocar como prioridade defensiva, como volta a ocorrer e com particular frequência no futebol italiano, pode criar uma nova dificuldade às equipas de iniciativa, que mesmo circulando bem a bola, ligando e variando os corredores, raramente encontram espaço livre de opositores (que se movimentam em função dos rivais e não da posição da bola, e por isso estarão onde eles estão), mas não deixa de condicionar, e sempre, as próprias opções ofensivas. É que se cada jogada ofensiva (dessa equipa que defende prioritariamente HxH) se inicia com posicionamentos resultantes dos movimentos do rival, dificilmente será possível um processo de construção e criação ordenado e, na decorrência, um critério ofensivo cumprido com eficácia constante.
Em síntese, a estrutura de 3 (ou 5) defesas, tanto pode ser útil como absurda, que o essencial é ter em conta a intenção tática e o perfil dos jogadores que a servem – desde logo, convém que haja 3 centrais de qualidade, senão mais vale não abdicar do jogador ofensivo que se retira – porque que as estruturas em si não são boas nem más, e serão sempre mais eficazes quanto mais permitirem que os jogadores exibam o que têm de bom e sejam protegidos das fragilidades. Já a eternização do condicionamento (natural) na altura do pontapé de baliza em sucessivas ações de marcação individual não me parece que garanta grandes ganhos, sobretudo em equipas que pretendem o protagonismo no jogo, seja porque coletivamente promove uma anarquia tática que contrária à confiança numa ideia de jogo própria, pensada e trabalhada, seja porque individualmente, e como nos ensinou já há uns 70 anos o mestre Viktor Maslov, um dos pais autênticos do futebol moderno, quase oprime moralmente o jogador que tem de a fazer. No limite, o melhor jogo nunca será nem o das ideias que castram jogadores, nem o da anarquia que desfavorece até os maiores craques. O caminho certo será sempre o da coerência entre as ideias e os jogadores. Se puderem ser dos melhores – ideia e jogadores- como no City, a consagração pode ser retumbante. Mas se houver pelo menos coerência, o sucesso também fica mais perto, como tem acontecido no Sporting."
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