Últimas indefectivações

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A menosprezada arte do vilipêndio

"Por onde andam os oradores de bancada, os gentis trituradores de árbitros e adversários, os relampejantes trovadores do impropério cuidado nas tardes de domingo?
Gente honrada, capaz de atingir a audição da vítima escolhida, sim senhor, mas sem desonrar os códigos mais nobres da honra. Gente criativa, no fundo, gente da estirpe do senhor Leite, meu saudoso catequista.
Falo nisto depois de nas últimas semanas me ter chocado com a boçalidade reinante no lançamento do insulto. Tudo primário, previsível, sem uma marca pessoal registada, sem a capacidade de abrir um sorriso na cadeira ao lado.
Onde anda o adepto que perturba o árbitro com sentido de humor e o adversário com ironia fina?
Nas idas tardes de domingo, toda a bancada onde eu me sentava parava para escutar o senhor Leite. Catequista nas manhãs de missa, fiel cruzado na evangelização da criançada, cabelo aprumado e camisa abotoada até trilhar o pescoço. Servil e cavalheiro, um homem manso e adorador do Senhor. 
À tarde, meus amigos, o senhor Leite transfigurava-se.
Assim que as chuteiras pretas pisavam o pelado e as camisolas verdes começavam a correr, o ar de funcionário público servil e beato tornava-se sanguíneo mas, ao mesmo tempo, incapaz de um palavrão ou de uma ordinarice.
O árbitro aproximava-se da grade e o senhor Leite, empoleirado, gritava «Oh excelso juiz, que a tua visão não me atraiçoe!» ou, a minha favorita, «Que o Senhor tenha piedade de ti, pois esta bancada não terá!».
Enfim, coisas inofensivas e que dispunham bem. Mas onde anda esta abertura de alma, esta espiritualidade? Será que o futebol é para ser levado tão a sério e de forma tão odiosa?
Responsáveis somos todos. O Governo, a sociedade deseducada, os pais sem paciência, os dirigentes incendiários e os comentadores irresponsáveis.
Perdeu-se (para sempre?) a maravilhosa arte do vilipêndio leve, apenas trocista, sem ponta de rudeza ou má educação.

Rafael Assis: um resistente da chuteira preta
Um dos objectivos deste espaço é apresentar - de duas em duas semanas - um futebolista profissional que resista ao avanço do mau gosto na escolha das chuteiras. Alguém que renegue o colorido bacoco e mantenha o preto como cor principal nas suas botas de futebol.
Um simpático leitor chamou-me a atenção para Rafael Assis, médio defensivo do Desp. Chaves. Nas primeiras jornadas da Liga, como atesta a foto, usou calçado apropriado para entrar neste chuteiras pretas. Infelizmente, contra o Benfica, desonrou as escolhas anteriores e calçou um par de coisas levemente vermelhas.
Assis, volta ao preto, rapaz."

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