"Apesar dos progressos registados ao longo das últimas décadas em matéria de investimento no desporto pelas mulheres, este continua a ser um local de diferenças e um espaço de desigualdade entre os homens e as mulheres. Em matéria de desporto feminino, é preciso ter em consideração a cultura desportiva das mulheres e a cultura feminina no geral. Esta cultura deve ser também colocada no seu contexto, sobretudo numa sociedade patriarcal, como é o caso da sociedade portuguesa.
No caso do desporto de alto rendimento, a prática de certos desportos pelas mulheres ainda está longe de ser “admitida” pela sociedade. E quanto mais estes desportos se afastam do estereótipo hegemónico, mais a recusa social é significativa. Se as mulheres são cada vez mais desportistas, elas não se entregam às mesmas actividades que os homens nem o fazem nas mesmas condições. As mulheres valorizam “as modalidades não competitivas” e as “práticas de melhoramento estético”, confirmando o peso dos estereótipos (Marivoet, 1998)
Braunstein & Pépin (2001) observam algumas das razões que mantiveram as mulheres afastadas durante muito tempo dos desportos de competição: em primeiro lugar, o argumento médico que dizia que o corpo feminino não podia suportar o esforço, e a que a sua principal função era a procriação. Em segundo lugar, o argumento social e moral: a mulher tem um lugar a ocupar no seio do seu lar, e toda a prática desportiva é concebida como exibicionismo.
Os homens estão mais voltados para a competição, a agressividade e a autoafirmação no desafio e no confronto com os outros. Ao invés das raparigas, os rapazes lutam e provocam-se entre si, estabelecem hierarquias com base no critério do mais forte, temendo ser tratados de “medricas”. Nos adolescentes, a pressão do grupo de pares e a prática de desportos colectivos convergem para a criação de um clima de emulação, de competição e de superação dos outros. A fim de serem reconhecidos, atrair a atenção das raparigas e afirmar o seu valor, os jovens procuram medir-se uns aos outros, provando a sua força, a sua excelência e a sua virilidade. Para as mulheres, a vitória sobre os outros surge como menos importante do que a actividade física em si mesma, enquanto para os homens é a própria competição que é objecto de paixão; rivalizar com os outros, vencer, ser o melhor representa uma finalidade ou um valor em si mesmo.
Nesta análise, importa referir a questão da virilidade. Bourdieu (1999, pp. 43-44) entende-a como “a capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como a aptidão para o combate e para o exercício da violência, com destaque para a vingança”. Por oposição à mulher, “o verdadeiramente homem” é aquele que se sente vinculado a estar à altura da possibilidade que lhe é oferecida de aumentar a sua honra, procurando valores como a glória e a distinção na esfera pública. A exaltação dos valores masculinos tem a sua contrapartida tenebrosa nos medos e nas angústias suscitadas pela feminilidade: princípios de fraqueza enquanto incarnações da vulnerabilidade da honra. Tudo concorre, assim, para fazer do ideal impossível de virilidade o princípio de uma imensa vulnerabilidade. É ela que conduz, paradoxalmente, ao investimento, por vezes exacerbado, de todos os jogos de violência masculinos, nomeadamente os desportos de combate.
O espaço desportivo (re)produz esta relação de dominação, ao socializar as gerações mais novas nos valores dominantes da cultura masculina, que privilegiam a força física e a competição como símbolos de virilidade."
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