"Charles Miller, Henry Welfare, Sidney Pullen… tantos ingleses na génese do futebol brasileiro.
Antes de o futebol brasileiro ter aquele jeito manso de andar na areia, havia nele muita gente do velho estilo canela-até-ao-pescoço, isto é, sobretudo ingleses que, aliás, tinham trazido o magnífico jogo bretão até àquelas partes do mundo. Não apenas o futebol, acrescente-se, mas também o rugby que na antiga colónia portuguesa não medrou. Aí precisamos de falar de Charles William Miller, natural de São Paulo, filho de um escocês com origens portuguesas, John d’Silva Miller, que foi para o Brasil trabalhar na São Paulo Railway Company, e de uma brasileira de ascendência inglesa, Carlota Antunes Fox. Miller foi enviado para Inglaterra com apenas dez anos e estudou na Bannister Court School. Apaixonou-se pela esfericidade: ou seja, jogava futebol, ténis, críquete e polo aquático. Pegou em todas as bolas que lhe vieram parar às mãos, incluindo aquela mais ovalada – dizem os dicionários que o objeto não precisa de ser absolutamente redondo, e até pode mesmo ser quadrado, uma frustração para os brasileiros que até ao dia 19 de julho de 1966, em Liverpool, diziam que nós jogávamos com bolas quadradas – e regressou ao Brasil para espalhar novos desportos. Ah! Levou também um cadernos com as regras do futebol, o que deu um jeitão.
Há que sublinhar que Charles Miller pode ter sido o primeiro, mas houve outros dignos de especial atenção. Como Henry Welfare, nascido em Liverpool, em 1888, chegado ao Rio de janeiro em 1913 para ser professor de Geografia e Matemática no Gymnasio Anglo-Americano. Apenas sete anos depois do regresso de Miller, portanto. Se Charles sempre gostou de jogar à baliza, Henry, a quem também chamavam de Harry, era apaixonadamente avançado-centro. Nesse tempo um indivíduo não podia ser inglês ou similar (bom, não estou a ver nada similar a um inglês, by Jove!, mas you know what I mean) que era logo convidado para treinar numa equipa. Habituado ao kick and rush do Norther Nomads e do Liverpool, por onde passara, ficou rapidamente conhecido no Fluminense, ao qual se dedicou, por O Tanque Tricolor. Mário Filho, o jornalista que deu nome ao Maracanã, escreveu sobre ele em Romance do Football: «Com Welfare, o Fluminense usava uma metralhadora enquanto seus adversários lutavam de espada».
Ora bem, podia falar aqui igualmente de Edwin Cox e de Harry Robinson, mas eu queria mesmo era chegar aos irmãos Pullen, Sidney e Eustace Pullen, especialmente ao primeiro. Porquê? Ora, há coisas que até eu desconheço sobre esta mania de escrever. Talvez por ter sido o primeiro estrangeiro a vestir a camisola da seleção brasileira, ainda não canarinha mas branca-lençol. Foram apenas cinco a fazê-lo: Sidney Pullen, Casemiro do Amaral, Francisco Police, Adolpho Milman e Andreas Pereira, este último já em 2018, 76 depois do seu predecessor, Milman, aliás O Russo.
Com quinze anos já o mais velho dos irmãos Pullen jogava no Paysandu Cricket Club. Nascido em Southampton, em 1895, nunca renegou a sua condição de inglês (era o que faltava, by cracky!). Quando foi parar ao Flamengo, entre 1915 e 1925, onde voltou a jogar com Eustace, e até com o pai Charles Gordon Pullen, atingiu o auge da carreira e foi chamado à seleção para jogar o Sul-Americano de Futebol de 1916, tendo aproveitado para ser árbitro na competição quando, na partida contra a Argentina, o tipo chamado para dirigir o encontro resolveu, assim muito à portuguesa, dar de frosques com medo que argentinos e brasileiros entrassem num festival de porrada. Sidney foi reconhecido como a melhor solução para ambas as equipas. O empate (1-1) não permite saber, como é moda dizer-se, se teve influência no resultado.
Veio a I Grande Guerra e como bom inglês Sidney Pullen marchou para combater nas trincheiras da Flandres. Era um fulano magrinho, quase enfezado, muito longe da largura de peito e do metro e noventa de Welfare. Mas batia-se com a alma cheia, e era antítese da ideia oxfordiana da superioridade sem esforço. Em 1917 desembarcava novamente no Rio de Janeiro para gáudio dos adeptos do Flamengo que o adoravam e admiravam a forma como dominava o meio-campo com movimentos precisos e passes milimétricos. Também era a antítese dos jogadores ingleses da sua geração. Capitão e líder, sucessor do grande Alberto Borgerth, cujo pai, o Dr. José de Siqueira Alvares Borgerth, foi advogado e chefe de segurança de D. Pedro II, chamavam-lhe o Inglesinho, ou o Lorde Inglês. Sempre era gente fina, pois então. E com medalhas ao peito por bravura. Apesar de tímido, chegava a ser conspícuo como uma mulher ruiva."
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