"Para quem está atento ao que se passa no nosso desporto, não ficará surpreendido ao ler esta minha afirmação: estamos a assistir, provavelmente, ao melhor momento desportivo de sempre do nosso país. E, curiosamente (ou não), em modalidades diferentes daquelas a que estivemos habituados há algumas décadas: não falamos (apenas) de futebol, futsal, hóquei em patins, ténis de mesa, canoagem, triatlo, judo ou algumas disciplinas do atletismo. Falamos de ciclismo, de disciplinas do ciclismo, andebol, basquetebol, râguebi e até de um desporto de inverno, como a patinagem artística, além da natação, entre outros.
Para quem, como eu, via as tardes desportivas na RTP2, ouvia a Bola Branca na RR e assistia a documentários dos Jogos Olímpicos, é um prazer enorme ler várias notícias a enaltecer os resultados dos atletas e do staff português. Mas, para quem, como eu, critica a falta de uma política desportiva e a ausência de projetos desportivos com propósito, será que estou a assumir um erro da minha parte? Infelizmente, para o nosso país, creio que não. Acredito que estes excelentes resultados (e, em alguns casos, falamos mesmo de feitos gigantescos) são, sobretudo, fruto do trabalho de federações e de alguns clubes com pessoas visionárias e comprometidas — daquelas que não desistem enquanto não alcançam os seus objetivos —, bem como de um esforço coletivo entre alguns players sempre importantes.
Ainda não são o reflexo de uma política ou de um projeto desportivo alinhado, sustentado e que espelhe a realidade desportiva do país. O que levanta outra questão: como seriam os resultados se trabalhássemos (quase) todos para o mesmo bem? Se existisse desporto escolar? Se não fôssemos um país de mono-modalidade? Se os dirigentes, de uma forma geral, tivessem formação e condições para trabalhar? Se existissem mais centros de alto rendimento? Se houvesse educação física a sério? E sendo muito discutível este ponto, se o desporto de alto rendimento fora alguns casos muito pontuais, fosse melhor remunerado? Aí, seríamos, provavelmente, uma potência desportiva. Poderíamos aspirar a mais e melhores resultados e não apenas esperar, de quatro em quatro anos, pelos Jogos Olímpicos para tirar conclusões sobre o estado do nosso desporto, da nossa educação física, da existência (ou não) do desporto escolar, da falta de instalações, entre outras questões.
Somos o país com o pior índice de prática desportiva regular da União Europeia e investimos no desporto apenas um terço do que a média dos países da UE investe. Somos um dos poucos países da UE (creio que apenas dois) que não têm uma estratégia desportiva. Temos algumas entidades que se atropelam na hora da subsidiodependência, o que também revela a necessidade de uma estrutura, talvez, mais rígida na cadeia de comando do desporto, mas que, ao mesmo tempo, seja eficiente. Além disso, reflete o nível de dirigismo que temos. Na verdade, trabalhamos nas organizações desportivas como nos comportamos no nosso dia a dia enquanto sociedade, e isso, no final do dia, gera os resultados mais ou menos esperados.
No entanto, vejo isto pelo lado positivo: se conseguimos estes feitos sem estratégia nem grande orientação, com algumas e pequenas alterações — e sem grandes investimentos financeiros — podemos entrar no caminho certo e competir, de forma regular, com outros países europeus que devem ser exemplos. Destaco, sem dúvida, a Eslovénia, a Croácia e a Dinamarca.
Aqui estão algumas medidas que considero exequíveis, impactantes e relativamente fáceis de implementar:
1️⃣ Tornar a disciplina de Educação Física nas escolas algo sério e concreto. Aumentar a carga horária semanal, garantir que conta sempre para a média final e impedir enviesamentos consoante a cor política do Governo. É certo que esta medida trará resultados desportivos apenas dentro de 12 a 15 anos após a sua implementação, mas terá efeitos imediatos na redução da obesidade, na promoção de hábitos alimentares saudáveis e na prevenção de doenças como a hipertensão arterial, a diabetes e o sedentarismo. Sabemos que isto é um dos principais indicadores da qualidade de uma sociedade e da sua cidadania. Além disso, traria uma poupança significativa nos custos do sistema nacional de saúde associados a estas doenças.
2️⃣ Apostar no Desporto Escolar. Já foram feitas algumas melhorias, mas continua a haver uma grande disparidade entre diferentes agrupamentos, regiões e consoante o compromisso dos professores. As federações já perceberam que o desporto escolar é uma mina de talentos, mas, como em quase tudo, falta um trabalho de equipa com outros parceiros. O desporto escolar deve ser o primeiro viveiro de crianças saudáveis e predispostas para a prática desportiva mais competitiva e, juntamente com a Educação Física, deve desenvolver as habilidades motoras desde cedo.
3️⃣ Definir modalidades estratégicas para o país. Todas as federações contam, mas uma estratégia desportiva nacional deve focar-se em determinadas modalidades. Não devemos — e nem conseguimos — investir de igual forma em todas. Sei que isto exigiria uma liderança mais assertiva e menos relacional/democrática, mas basta olhar para alguns países à nossa volta e perceber que as suas políticas desportivas são seletivas. O critério de investimento não deve basear-se apenas no número de praticantes, mas sim naquelas áreas em que Portugal pode realmente destacar-se.
4️⃣ Instalações desportivas e Centros de Alto Rendimento (CAR). O impacto positivo das infraestruturas não se resume à sua existência, mas sim ao seu papel num pacote de medidas mais abrangente. Montemor e Sangalhos são bons exemplos.
5️⃣ Reforçar e reconhecer a importância do dual-career. E existem bons exemplos em algumas faculdades, atenção. Nada de refutar que tudo é mau. Falta agora ser transversal.
6️⃣ Apostar na formação de treinadores e na qualificação de dirigentes. A Portugal Football School tem feito um excelente trabalho na formação de treinadores, e é fundamental perceber como podemos transpor esse modelo para os dirigentes desportivos. O Comité Olímpico de Portugal também tem desenvolvido um papel crucial na educação desportiva. O IPDJ tem feito um trabalho positivo, mas, como tem uma vocação mais política, talvez fosse útil criar uma entidade que se focasse exclusivamente no alto rendimento, alinhada com o IPDJ. E aqui a juntar com o ponto 3 e perceber como podemos em alguns pontos exponenciar o alto rendimento e a criação/aparecimento de mais talentos. Algumas modalidades deram um salto qualitativo com a naturalização/introdução (Andebol, Ténis de Mesa, Atletismo, etc.) de alguns estrangeiros na seleção nacional que fez com que existisse um ‘boom’. Alguns concordam ou não, mas em função de achómetros ou de ‘regras claras e estratégicas’?
7️⃣ Reconhecer o papel das autarquias. As câmaras municipais e juntas de freguesia têm um contributo fundamental para o desporto em Portugal. Sem elas, o país não teria tantas oportunidades para a prática desportiva. O mesmo se aplica aos clubes, desde os grandes até aos pequenos clubes de bairro, que, em muitos aspetos, superam as grandes instituições.
Por fim, estou convicto de que os bons resultados que vemos atualmente não são, ainda, fruto de uma estratégia global. E isso é preocupante, pois, a qualquer momento, bastaria que algumas condições desaparecessem (por exemplo, se alguns atletas deixassem de treinar no estrangeiro para terem melhores condições) para que os resultados desportivos caíssem drasticamente.
Sei que falar é quase sempre mais fácil do que fazer, mas neste caso, tenho a convicção de duas coisas: muito do que não se faz é pela falta de qualidades de liderança (que passa por conseguir que as várias entidades e as pessoas de cada entidade trabalhem para um fim comum e não para os seus fins, de não existirem consequências para quem cumpre ou não cumpre e a palavra propósito ou compromisso ainda serem chavões que no dia-a-dia de vários líderes são usadas como a palavra paz é usada por tantos presidentes de alguns países mundiais) e porque as verbas dedicadas ao desporto serem mesmo muito reduzidas e com isso, nem para diminuir o impacto que o sedentarismo tem em muitas centenas de milhões de euros no nosso orçamento."
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