"Realizou-se no fim de semana a 20.ª jornada da Liga, um número fácil de reter e que convida os clubes a fazerem contas à vida. Já se ultrapassou metade da prova, é verdade, mas a etapa derradeira do campeonato encontra-se ainda suficientemente distante para transformar os cinco pontos que separam o dragão do primeiro lugar numa minudência, mantendo-se viva a candidatura a três, o que contribui para o enriquecimento do espectáculo futebolístico numa Liga em que, na generalidade dos casos, se joga mais e melhor.
Ao nível dos relvados, a bola rola livremente e os espectadores apreciam. O problema maior reside fora deles, por intromissão grosseira de sectores de uma classe dirigente que continuam a ter do fenómeno uma noção anquilosada e conflituosa que ajuda a propagar o vírus de um fanatismo intolerável em sociedade civilizada e que é susceptível de conduzir a excessos comportamentais por quem deixa iludir-se pela verborreia de figuras a quem falta moderação na palavra, argumentam elas em defesa de verdades de conveniência disfarçadas de verdades desportivas, para darem ares de senhores da razão.
Seria saudável se os dirigentes, para o bem e para o mal, privilegiassem a coerência e utilizassem apenas um peso e uma medida, o que não acontece. Reagem em função dos interesses dos seus clubes, cegos e surdos, mas não mudos, de aí ninguém se ter dado ao cuidado na casa do leão de uma reflexão ligeira, embora minimamente cuidada, antes de avançarem com a ideia de veto a Cosme Machado, por acaso o mesmo árbitro que à 10.ª jornada, em resultado da «falta de categoria para apitar», não assinalou uma grande penalidade a favor do Arouca que poucas dúvidas suscitou na altura, provocada por Naldo ao cair do pano; e não há memória de algum responsável leonino ter vindo pedir desculpa pelo benefício indevido e propor o exílio do árbitro bracarense, o qual, no deve e haver dos pontos, continua a ser amigo... Regressemos à 20.ª jornada para uma viagem rápida à época transacta e verificar que em idêntica jornada de 2014/2015, o Benfica liderava com 50 pontos, o FC Porto era segundo, com 46, o Sporting terceiro, com 43, e o SC Braga quarto, com 37. Ou seja, em comparação com o que hoje se regista, o Sporting é primeiro com 51 pontos (mais oito), o Benfica segundo com 49 (menos um), o FC Porto terceiro (com os mesmos 46) e o SC Braga quarto, com 36 (menos um).
Diferenças que sugerem interpretações ao gosto de quem as fizer, mas que, no essencial, permitem duas conclusões iniludíveis, em face dos números: por um lado, o efeito Jesus está a funcionar, em relação a idêntico período com Marco Silva, embora este, no final, tivesse apresentado no currículo a conquista da Taça de Portugal, objectivo inalcançável por Jorge Jesus; por outro, a barulhenta mudança deste para Alvalade provocou os estragos que tinha de provocar na águia, derivado de uma longa permanência de seis anos, mas a verdade é que ela soube resistir não só às consequências da mudança em si, mas também a uma imensidão de factores colaterais que se lhe seguiram. Tão legítimo é, neste preciso momento, considerar o Sporting como favorito número um ao título nacional, por estar na frente da classificação, por possuir um plantel valioso e por oferecer vistosa prática de jogo, como aceitar que o Benfica depressa se libertou do monstro por ele criado e partiu para outro ciclo, se possível mais aliciante em termos de conquistas importantes que devolvam ao Benfica o lugar que lhe cabe no quadro europeu e mundial. De facto, a questão deve ser colocada: por um ponto menos e mais nove golos marcados (54 hoje, 45 há um ano), além de um conceito de jogo mais calmo e tranquilo, que gere a posse de bola e tem outras nuances, em vez do «muito contra-ataque e do muito vai-e-vem» anterior, opinião expressa pelo central português do Zenit, Luís Neto, e ampliada por André Villas Boas em A BOLA, na apreciação que fez sobre a actual equipa encarnada, valeria a pena gastar tanto dinheiro com um general quando um sargento, além de custar para aí dez vezes menos, é capaz de trabalhar tão bem ou melhor?
Com o espírito de camaradagem que o caracteriza, afirmou o treinador campeão nacional que o problema de Julen Lopetegui no FC Porto se chamou Jorge Jesus. Talvez sim, como o problema de Jesus já se chamou Villas Boas e Vítor Pereira no passado e pode vir a chamar-se Rui Vitória ou José Peseiro no futuro.
Sempre ouvi dizer que um pouco de humildade nunca fez mal a ninguém..."
Fernando Guerra, in A Bola
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