"Estou longe de ser um fã de Fórmula 1. E estou muitíssimo longe de ser um fã de Michael Schumacher. Ao desporto, considero-o repetitivo e pobre de alma nas paixões que desperta. Do piloto, acho praticamente o mesmo. Seja como for, é um dos melhores pilotos de todos os tempos e não é fácil encontrar semelhante currículo de vitórias noutra qualquer modalidade. Será essa a razão que leva um tamanho interesse global no seu estado de saúde? Ao ponto dum jornalista idiota se ter mascarado de padre para tentar entrar no seu quarto para supostamente nos informar sobre o seu estado de saúde? Talvez. Mas outra razão contribuiu para o interesse geral, o que me inclui a mim, que não ligo grande coisa à Fórmula 1. Há qualquer coisa de inusitado no acidente que ia tirando a vida a Schumacher.
Se Schumacher estivesse em risco de vida por uma doença crónica qualquer, seria banal. Se estivesse na cama do hospital por um acidente ligado à condução, seria expectável. Mas estar às portas da morte por ter ido contra uma rocha quando esquiava relativamente devagar, depois de anos a arriscar a vida a pilotar máquinas a velocidades pouco recomendáveis, é contranatura. É como ver um veterano de guerra morrer por um crime passional. É como se a morte tivesse de fazer justiça à vida. Não por ter de ser grandiosa ou banal, mas por dever ser adequada no seu contexto à história pública de quem se fina.
Conhecemos as figuras públicas pelas actividades que as fizeram públicas. E esperamos que essas pessoas morram de morte comum – a que é genericamente adequada a todas as vidas - ou de morte compatível - o cantor de rock morre de overdose, o escritor de cirrose, o ator suicida-se de forma dramática, o político é assassinado ou morre de “doença prolongada”, o desportista morre de mazelas antigas ou de velhice. O piloto de Fórmula 1 não morre a esquiar fora de uma pista. Não lhe fica bem. Por isso, Schumacher não está destinado a esta morte. É aquilo a que costumamos chamar de “morte estúpida”. O que, bem vistas as coisas, é a mais estúpida das afirmações. Como se não fossem todas as mortes inevitavelmente estúpidas. Ou apenas lamentavelmente necessárias."
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