"Em 1967, o Benfica joga em Belfast, para a Taça dos Campeões com o Glentoran. Um jovem adepto estás nas bancadas - chama-se George Best. A visita dos campeões portugueses torna-se motivo de sensação. Os elogios não se esgotam.
Voltemos a Eusébio. Promessa feita, promessa sendo cumprida, semana a semana, agora que está a dobrar um ano sobre o seu «encantamento», como diria Guimarães Rosa: «A gente não morre, fica encantado».
Aí onde ele estiver, encantado, Eusébio da Silva Ferreira merece que o recordemos sempre, continuadamente. Eu faço-o com gosto, como um tributo à amizade, às muitas conersas longas que tivemos, muitas por todo o mundo, atrás do Benfica e da Selecção Nacional, outras à sombra do carinho do grandíssimo Ti' Emílio que foi para Eusébio como um pai.
Escrevo e reescrevo sobre Eusébio. Repito-me por vezes, mas as lembranças também são mesmo assim, repetições de tempos que não voltam mais.
Vocês sabem, em Inglaterra há uma paixão monstra por Eusébio. Que digo eu? Em Inglaterra? Em toda a Grã-Bretanha, Irlanda e tudo.
Na Irlanda e Norte também há um fascínio por Eusébio. Uma vez estive lá como ele, em Belfast, talvez há uns dez anos. Quando o viram subir ao relvado, os adeptos do Windsor Park explodiram de entusiasmo. Assisti a outros episódios iguais: em Dublin, por exemplo, em 1996, nas vésperas do início do Campeonato da Europa.
Pouco lhes importa que Eusébio já não jogasse. Era a lenda. Viva.
Uma admiração forte, genuína. Como se lhes estivesse no sangue.
Há milhares de episódios que se podem contar sobre esse fascínio britânico por Eusébio. Já contei tantos e tantos, nas páginas de jornais, em livros, em conversas descontraídas.
O próprio Eusébio me contou tantas vezes que fiz questão em guardar preciosamente.
Falemos então da Irlanda do Norte. De Belfast.
Eusébio está profundamente incrustado no coração de Belfast: um diamante preso na sua cela negra de carvão.
Belfast: cidade escura - barro, fumo, cimento...
Em Setembro de 1967, o Benfica foi a Belfast jogar com o Glentoran para a primeira eliminatória da Taça dos Campeões.
«September 13, 1967... an historic night in Irish soccer history. Many moments from this game will always remain imprinted in the memory».
É assim que Malcolm Brodie, antigo jornalista do «Belfast Telegraph», começa a descrever essa noite extraordinária no Oval Stadium no seu livro «The Story of Glentoran». Não se tenha sido um jogo fora do comum.
Não foi. Havia, isso sim, em Belfast, a expectativa de ver jogar o famoso Benfica com Eusébio e Coluna, e José Augusto e Torres e Jaime Graça. O Campeonato do Mundo de Inglaterra decorrera há pouco mais de dois meses, Eusébio estava no auge da sua popularidade mundial. «Mighty Benfica and its glittering array of stars including the incomparable Eusébio», chama-lhes Brodie.
E Eusébio rematava e rematava e rematava...
O Glentoran fez um golo cedo, de «penalty», logo aos 9 minutos, por Colrain; Tmmy Jackson foi a sombra de Eusébio; Albert Finlay parecia feito de borracha nas suas defesas contínuas.
O público cantava: «We all live in a Oval submarine». 40.000 vozes ao soim da música dos Beatles.
Eusébio multiplicava os remates: dois ao poste, vários outros passando bem perto da baliza, ao lado, por alto, desviados pelas mãos de Finlay.
Murmúrios de admiração e espanto perpassavam as bancadas. O Benfica atacava com fúria mas com pouco método, insistindo nos remates de Eusébio e no jogo de cabeça de Torres. Os minutos escorreram: grãos de areia por entre dedos de uma mão aberta. Torres vê um golo anulado e, ao minuto 60, uma carga brutal sobre Eusébio dá ao Benfica um «penalty» a possibilidade do empate. Eusébio queixa-se com dores, está fora de campo, é Jaime Graça quem marca: falha.
O final do jogo é penoso para Eusébio. Coxeia; sofre a dureza dos homens do Ulster. Falam cinco minutos: um passe de José Augusto e Eusébio remata: poderoso, insensível, devastador. Inevitavelmente golo.
Para os jogadores do Glentoran, o empate é uma festa. Eusébio é grande! «Amazing!». dizem eles. O público invade o relvado, leva os seus em ombros, rodeia aquele atleta vigoroso de Moçambique que dominou o campo com a sua imagem soberba.
George Best é um dos adeptos que aplaudem Eusébio com entusiasmo.
Mal sabiam, ainda, que aquele golo de Eusébio valeria a eliminação: na Luz novo empate, 0-0.
Quatro anos antes, no mesmo Windsor Park, Eusébio já tinha marcado um golo vistoso, frente ao Distillery, num empate de 3-3 para a 1.ª «mão» da primeira eliminatória da Taça dos Campeões.
Eusébio não falhava os seus compromissos com o Ulster.
Por isso continuou idolatrado na sangrenta Belfast de tantas batalhas. Eles, lá, também não se esquecem. Eles que tiveram igualmente o seu herói único e irrepetível - George Best.
«Mighty Eusébio!?» escreveu-se. A tinta também não se apaga."
Afonso de Melo, in O Benfica
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